‘’Morabeza’’. Aquela palavra difícil de traduzir mas que na presença da Mayra explica-se por si própria. O bem receber, a amabilidade, aquele sentimento de “casa fora de casa” que, como boa caboverdiana, lhe sai dos poros e chega a nós por via de um sorriso puro e contagiante e das constantes referências à sua ‘’casa com C maiúsculo’’, Cabo Verde. E tal como Cabo Verde, também a música lhe está no sangue e no coração, ‘’sempre me senti cantora, artista. A música é uma vocação na minha vida, porque não veio de uma escolha ou decisão racional, eu com 2, 3, ou 4 anos já era artista’’
‘’Eu sou inegavelmente muito cabo-verdiana, mas sou uma cabo-verdiana que cresceu no mundo’ Cidadã do mundo, usa a sua própria globalidade na sua música. Angola, França, Alemanha, Senegal, são apenas alguns dos países onde viveu e cujas músicas também lhe deram bagagem artística, ‘’a música é um reflexo muito fiel das minhas experiências e assim ela se constrói à medida que vou vivendo e assimilando‘’ Mesmo tendo esse espírito nómada ‘’preciso de voltar sempre à base para beber na fonte mas também preciso de espaço e de liberdade para estar em equilíbrio.’’
Actualmente chama a cidade de Lisboa de casa e ‘’sinto-me muito bem aqui, é uma cidade que me tem feito muito bem”. Posto isto, como não poderia deixar de ser e não obstante expressar-se tão clara eloquentemente em várias línguas, é em crioulo que Mayra consegue transmitir mais sentimentos e mais emoção. ‘’Apesar de ter a consciência de que escolhi uma língua que apenas uma minoria entende, não deixa de ser a língua onde acho que transmito emoções mais fortes e onde acabo por tocar as pessoas de uma forma mais especial. A língua crioula por si só já é música, já inspira e toca as pessoas de uma forma particular, o que é interessante porque o que poderia ser uma fraqueza (por poucos perceberem), é o que me torna única também (…) sai-me das entranhas.’’
Manga ou Mayra? Quando explica a razão pela qual escolheu o nome ‘’Manga’’ para o seu mais recente álbum, quase nos perdemos na descrição e ficamos sem saber se fala do fruto ou dela mesma, tal é a pertinência da adjetivação. ‘‘A manga é a rainha dos frutos tropicais, é a minha fruta preferida, é uma fruta que faz bem ao coração, ao órgão coração (risos) e que eu acho muito sensual, muito feminina E como mulher tenho vindo a sofrer transformações e um crescimento que eu observo ao mesmo tempo os que vivo e acho muito interessante…a manga transforma-se, as cores vão mudando à medida que vai amadurecendo, o sabor, o perfume… e é um fruto muito tropical. Identifiquei-me muito e então é a cor do disco’’
‘’Sempre fui muito permeável e sempre quis contribuir com algo diferente na música cabo-verdiana’’ E este disco não é excepção. Sobre as influências do mesmo e a relação com os seus álbuns anteriores conta que o Manga
‘’tem algo do Navega porque é um disco mais roots, mais tradicional, apesar de eu ter sempre feito um tradicional muito à minha maneira.
disco tem a essência mais livre do primeiro disco, mas tem uma influência grande do afrobeat. Fiz uma viagem há 3 anos para o Gana, que me fez mergulhar neste estilo actual que se faz no continente africano, que vem do afrobeat, que é à base de beats. Há uma cena musical no continente que é muito inspiradora e que tem menos a ver com essa música mais ancestral, tem a ver com uma África moderna e descomplexada e que dança e celebra. Inspirou-me ao ponto de querer divertir-me mais com a minha própria música e nos meus próprios concertos. Foi o disco para o qual compus mais, escrevi mais. Encontrei uma poesia mais direta para contar as minhas histórias e vivências.’’
No music to make music Parece um paradoxo? Talvez, mas para esta artista, o silêncio é crucial para o seu processo de inspiração e criação. Tenta afastar-se ao máximo da música e afins, ‘’preciso de viver coisas que estejam longe dos palcos, de ir para o campo, para praia.. já percebi que as coisas têm um tempo de gestação em mim e o que me dá vontade de escrever é o acumular de experiências e emoções, chega uma altura em que precisam de sair e de se converter em música, em arte. Há coisas que estão no disco porque eram quase uma questão de sobrevivência, precisava de escrever aquilo para dar passos e continuar.’’
Longe da vista, mas perto do coração
‘’Eu nao ouço os meus discos, depois de os criar não os ouço mais, mas quando vou a algum programa e tocam coisas minhas é com muito agrado que penso que fiz belos discos. ‘Que disco tão bonito, como o som está bem feito, bem executado. Foi bem orquestrado, como foi sincero!’..’’, diz, com um zelo e brandura quase maternais, que acusam todo o orgulho que tem nos seus filhos (discos). ‘’Tive a sorte de não ter feito concessões na qualidade dos meus discos e lutei o que foi preciso para que me dessem os meios para fazer os discos com que eu sonhava e isso não tem preço. Não há nenhum disco que apagasse ou deitasse fora e dá-me alguma ternura quando olho para cada disco porque me mostra exatamente onde eu estava na minha vida, na minha cabeça (…) até o perfume que usava na altura… são retratos’’
‘’Nasci velha e com a idade estou a rejuvenescer’’
O constante contacto com o público; as experiências e até a crescente visibilidade e exposição que tem, foram permitindo a Mayra ‘’alinhar os dois campos, palco e fora dele’’. A própria sente que houve uma clara evolução na sua postura e comportamento em palco, ‘’no início tinha em palco uma postura muito mais séria, movimentava-me menos, comunicava de modo mais formal com o público’’, o que agora não acontece, fruto da experiência, da vida e da educação, que refere como uma benção por ter sido ‘’muito boa, que guia todo o meu comportamento. Eu sou a mesma pessoa em palco e no privado, o que os anos e a experiência me têm dado é exatamente o conseguir alinhar o que ainda está distante, num contexto ou no outro’’ Sobre ter uma responsabilidade acrescida por ser conhecida, não parece ver as coisas dessa forma, ‘’não vejo isso como responsabilidade, a minha responsabilidade é como cidadã (…) a partir do momento que temos uma certa exposição é importante que a nossa influência nas pessoas não seja nefasta, quero passar uma mensagem positiva às pessoas, de responsabilidade, de igualdade, de amor e de liberdade porque é como quero estar na minha vida, não por ser artista. Cada um na sua escala tem a responsabilidade de ser um bom exemplo para as pessoas.’’
‘’Gostos não se discutem’’ Mas a sua beleza é indiscutível e como tal, é sempre um tónico para a nossa curiosidade, saber quais os rituais e truques que a mantêm radiante e airosa. ‘’Durmo muito bem (preciso de 8 horas por dia); bebo muita água; não fumo (excepto charuto algumas vezes por ano); não bebo café nem leite; só bebo chá… e não como carne’’. Quanto ao corpo, confessa que ‘’infelizmente não tenho uma natureza muito desportista, já treinei mais regularmente mas a tournée é algo que compromete muito a rotina, não consigo treinar num quarto de hotel. Não sou um exemplo bom nesse campo.’’ No que concerne ao vestuário, ‘’jeans, camisa branca. Tenho tido tendência para fatos de treino para viagens, porque é muito confortável. Sou fraca em termos de conversas de moda, não sigo muito, não sei o que se fez na última colecção, decoro mal os nomes e datas, simplesmente vejo algo de que gosto, compro e pronto’’
‘’Superconcerto’’
É o que podemos esperar da sua vinda a Luanda e da sua actuação na Casa das Artes, a 15 e 16 de Março. E por quê? ‘’Porque está muito bom, músicas do disco novo e algumas das mais antigas com arranjos novos. Não vou muito a Luanda então espero que as pessoas estejam presentes nesses dois dias, porque será uma festa muito boa!’’
Portanto já sabe, não deixe de marcar presença nesse concerto que terá sabor a Manga e cheiro a Cabo verde!