A FÓRMULA QUÍMICA DA FELICIDADE
Há pessoas cujas histórias deveriam ser de conhecimento geral obrigatório, por serem tão inspiradoras e pertinentes para gente de todas as idades, profissões, nacionalidades, credos e culturas.
E uma dessas pessoas é Cátia Dombaxe, uma jovem que mesmo sem ainda ter uma carreira profissional propriamente dita (pois ainda está a estudar), já tem uma carreira Académica que causa inveja a muitos profissionais veteranos.
Foi recentemente aceite como membro da American Academy of Forensic Sciences, tornando-se assim na primeira Angolana a conseguir esse feito, juntando a sua nacionalidade às 70 que já existiam na Academia.
Se nunca ouviu falar da AAFS, não se martirize, é normal, pois é uma sociedade tão exclusiva e de difícil acesso que quase ninguém que não seja da área conhece, o que só aumenta o feito desta nossa cientista. Além de exclusiva, a AAFS é ‘’a base das Ciências Forenses nos E.U.A. e no mundo (…) onde se coloca a Ciência ao serviço da Lei e se desenvolvem novas técnicas forenses’’.
Mas como é que se chega aí? No caso de Cátia, o seu percurso brilhante começou desde cedo, em Angola, tendo sempre sido aluna de ‘’quadro de honra’’, o que lhe valeu uma bolsa de estudos para a Holanda (United World College), onde estudou dois anos, com o foco em Química, Biologia e Inglês, língua que teve de aprender em apenas 3 meses, pois assim que chegou teve logo aulas e projectos. Isto foi muito difícil para ela, o que agora até parece difícil de acreditar, pois já não se lembra de muitas palavras em Português, recorrendo sempre ao Inglês para transmitir melhor as suas ideias.
Daí, candidatou-se a outra bolsa, desta vez para os Estados Unidos e foi aceite em 3 das 7 Universidades que escolhera (o que não esperava). Finalmente, optou pela Methodist University of South Carolina, onde começou com o curso de Química (que sempre adorou) mas rapidamente descobriu a paixão pelas Ciências Forenses, juntando mais esse ao seu currículo.
A forma como explica o seu amor pelas Ciências é tão carregada de emoção e reconhecimento, que só transcrevendo integralmente é que se consegue fazer-lhe justiça:
‘’O interesse surgiu porque na minha família profissão ‘de verdade’ é advogado, cientista ou doutor (como quase todas as famílias angolanas) e o meu pai sempre quis ser cientista e eu sou bakongo e nós consideramo-nos muito inteligentes. Sempre gostei de coisas difíceis, que me façam sair da minha zona de conforto, algo difícil o suficiente para me levar ao extremo mas que ao mesmo tempo me dê poder e liberdade de dizer EU FI-LO. Gosto de provar sempre que consigo fazer o que dizem que não faria, é a minha motivação na vida.
Quando estudava na Nossa Sra. Da Luz, tive uma professora de Biologia (…) ela era a mais forte, a mais brilhante, tinha tudo e eu queria ser como ela. Ela sentava-se connosco e fazia-nos aprender e entender, era como uma mãe, uma excelente professora (…) e apaixonei-me por Biologia, mas com os anos vi que tinha muita teoria, então virei-me para a Química e em São Domingos tive outra professora, de Química (…) ela incentivava-me a dar o meu melhor e a ser sempre melhor, então apaixonei-me pela Química! E na Holanda tive outra professora, toda a gente a odiava mas eu tinha uma conexão tão grande com ela que me fez querer fazer coisas…’’ e a própria interrompe o seu monólogo para reflectir e concluir, ‘’é engraçado que agora que falo nisto vejo que foram sempre mulheres que me inspiraram, mulheres que admiro como professoras, pessoas, mães… Tratavam-me como mais do que aluna, estavam lá para ajudar-me, estavam lá para mim (…) sempre que faço algo de bom nas Ciências eu penso nelas e faço-o por elas, quero que tenham orgulho em mim’’.
E a palavra ‘’orgulho’’ está muito presente no seu discurso, principalmente o orgulho nas suas origens, as quais nunca esquece e tem sempre bem presentes na mente, no coração e no seu estilo, ‘’uso o meu estilo para representar as minhas origens, por isso adoro roupas e tecidos africanos, se pudesse usaria apenas isso. O estilo africano e as mulheres africanas inspiram-me, a maneira como os padrões caem no nosso corpo e pele.. é lindo! (…) Nunca me esqueço das minhas origens, tenho orgulho em ser angolana e bakongo!’’
As suas origens são fonte de orgulho, mas também de muita discriminação, sendo que na cidade onde está, o racismo é muito presente e palpável, ‘’há muito racismo, nunca me integrei totalmente, vivo cá há 3 anos e nunca me senti parte da comunidade como me senti na Holanda (…) só os alunos estrangeiros é que se entendem porque estamos todos na mesma bolha, são mesmo muito racistas, é algo que me faz sempre querer ir para a Europa, as coisas lá são mais fáceis, mais baratas, há menos preconceito (…) aqui nem sequer somos bem-vindos’’. Contudo, Cátia faz a ressalva de que não é essa a realidade em todo o país, sendo que há Estados e cidades onde esse preconceito não se verifica tanto. Além disso, não deixa que esse facto a desanime, ‘’luto contra isso mostrando que consigo não só fazer, como fazer melhor’’.
E fazer isso exige muito estudo, esforço, tempo e dedicação, mas nem por isso Cátia deixa de ter tempo para o que gosta. Como? Ela explica: ‘’determinação, trabalho e prioridades (…) Dou prioridade ao que me faz feliz e isso dá-me tempo para fazer tudo (…) Se me faz feliz eu vou encontrar tempo e modo de o fazer’’.
E dentro do que gosta, destacam-se as viagens, é algo que a deixa tão feliz e realizada que mesmo que você tenha os olhos fechados vai conseguir perceber que ela sorri e se enche de luz ao falar desse hobbie. ‘’Viajar é como terapia para mim, quando viajo parece que me transformo numa pessoa nova, estou sempre feliz, mesmo que aconteçam coisas más, adapto-me ao lugar, mergulho na nova cultura e ambiente. Todos os países me mudaram e tiveram grande impacto em mim’’. E com grande humildade observa que ‘’a maioria dos países pobres onde estive têm as pessoas mais felizes (…) são coloridas, vibram, têm uma energia e conexão que não se encontram em meios do nosso nível social’’.
E é aqui que lhe descobrimos uma outras qualidades: a sua despretensão e singelez, principalmente quando nos conta que ‘’nunca fico em hotéis, ou é AirBnB ou faço couchsurfing, fico em casas de desconhecidos nacionais, (…) comes com eles, vês como falam, como vivem, como pensam, sobre religião, política… isso é a coisa mais bonita!!! Sentar com um local e ouvi-lo trocar experiências é a coisa mais bonita do mundo’’, refere, com muita emoção.
Como já viu, é uma aluna exímia e adora Ciências, mas nem por isso cai no estereótipo do cientista louco, anti-social e isolado. Porém, admite ter nela alguma excentricidade, ‘’eu acho que sempre quis ser diferente, não gosto de ser mediana, vejo beleza na diferença, em fazer algo tão diferente que mesmo que as pessoas não aceitem, elas mudam a sua perspectiva (…) vão pensar de maneira diferente. E é assim que as coisas grandes se criam e nascem grandes ideias. Sou ousada, forte e versátil. Sou uma mistura de muitas coisas: família, experiências, viagens…’’. Em suma, é fruto das diferenças com que viveu, ‘’pessoas, culturas, credos, viagens, comida, danças (…) sou uma pessoa muito livre, exprimo-me de maneiras diferentes dependendo do contexto onde estou, para que eu e a pessoa com quem estou estejamos confortáveis’’.
Alma de viajante, mas com o pensamento sempre em casa, na família e nos amigos, que são o seu suporte e a sua motivação, ‘’os meus pilares são a minha família e amigos, vivendo fora criei uma família de amigos, tiveram um grande impacto em como vejo a vida, devo-lhes muito’’. Mas de todos, destaca principalmente a mãe, a qual menciona com uma ternura comovente, ‘’devo tudo à minha mãe, é a principal razão de estar aqui, tudo o que faço e que farei é e será sempre por ela, é a estrela e o núcleo da minha vida. Orgulhá-la a ela e aos meus professores é o melhor prémio’’.
Para já não volta para Angola porque ainda tem de concluir os estudos e alguns projectos, mas o seu objectivo é voltar e contribuir para uma melhor educação, saúde e turismo no seu país, até porque reconhece há ainda muito que conquistar na área das Ciências Forenses. ‘’O mercado Angolano ainda não está preparado para esta área. Infelizmente, devido à corrupção, os recursos para desvendar os crimes dependem do poder económico das vítimas’’, continua, ‘’eu quero voltar para casa e mudar isso, educar pessoas, ter gente em laboratórios, fazer grandes projectos (…) deveríamos ter muitos cientistas forenses e polícia bem treinada mas não temos , temos dinheiro suficiente para isso, para ter um bom departamento CSI, para formar e comprar equipamentos (…) as universidades nem sequer têm esse curso, mas deveria haver essa opção’’, analisa com pena e pesar.
Quando faz uma análise ao que já conquistou, suspira pensativa e partilha que ‘’é gratificante, não foi fácil chegar aqui, houve muitas vezes em que ouvi não. Não fui aceite em várias posições que queria (…) muitos obstáculos! Então a sensação é muito boa. Eu pressiono-me muito a mim mesma, mais do que os outros me pressionam a mim, (como não é uma área muito conhecida, não tenho tanta pressão externa) mas recebo muitas mensagens de encorajamento, apoio e orgulho’’.
Se tal como nós ficou deslumbrado com os feitos desta jovem de 22 anos, com a sua inteligência e potencial, aqui fica uma dica da própria, que talvez o motive: ‘’Estudem, ultrapassem os vossos limites, saiam do comum, sejam curiosos, queiram encontrar algo que ninguém encontrou, trabalhar em algo em que ninguém trabalhou, queiram mudar as perspectivas das pessoas, que elas digam UAU! Que as crianças queiram ser como vocês porque fizeram algo pela comunidade (…) vivam, viajem, isso vai fazer de vocês pessoas melhores!’’