SOLDIER OF MUSIC
Com muita música e entre amigos. Assim nos recebeu porque assim gosta de estar. Chinelos, jeans e uma t-shirt simples, desprovido de qualquer glamour ou indicador do astro que é na sua arte e da fama que tem em Angola e no mundo.
De chamativo, só o som que ecoava das potentes colunas da Line Up Barbershop, bem como os graffitis e cores vivas das peças expostas.
A entrevista foi sobre o Dj Djeff, mas quem respondeu foi o Tiago Barros, bastante mais ‘’familiar, caseiro, sem confusão, que não chateia nem quer ser chateado, enfim, da paz, está sempre bem, mesmo quando não está’’.
Naturalidade
Uma das suas principais características e que está presente em tudo o que diz e faz.
O seu nome artístico surgiu de modo natural (e espontâneo). ‘’Djeff vem de uma brincadeira de um amigo, na altura em que fiz o workshop na discoteca Scala, no início dos anos 2000. Uma das aulas foi de Techno e existe um DJ muito famoso chamado Jeff Mills. Fiz uma mistura durante a aula que é característica dele e esse meu amigo disse que eu parecia o Jeff. Então cada vez que eu ia tocar dizia ‘’agora vem o Jeff Mills’’ e foi ficando’’. Até que acabou por adoptar o nome oficialmente, com a ligeira alteração da grafia.
O modo como cria as músicas é natural. ‘’Hoje em dia estou a fazer aquilo que estou a sentir, sendo estranho ou não, é aquilo que sinto, sejam que sons forem. Se tiver de entrar um barulho menos agradável vou pôr esse barulho, ainda que tente fazer com que tenha lógica, mas é tudo muito natural’’. Se as músicas vão ser ou não um hit, não é sequer uma questão que pondere, ‘’não consigo nem quero ter essa impressão porque o erro dos produtores é focarem-se em fazer hits. Mas o hit não deve ser provocado, tem de acontecer, tem de ser natural, a energia que estás a absorver é o que tens de pôr na música. Se tiver de ser um hit, vai ser, não se pode forçar.’’
O Djeff é natural, toca o que sente exactamente como o sente. Mas esse alter ego não existe apenas quando está em contexto profissional, ‘’o Djeff é o Tiago mais extrovertido, tudo é natural: como danço, como me mexo, nada é forçado. Gosta de muita festa, boa música, sai pouco mas quando sai é para se divertir. Basicamente o que faço quando saio é o que espero que façam quando saem para me ver tocar’’.
Espiritualidade
O autor de Soldier’s Ascension acredita que tudo tem uma razão de ser, o bom, o mau, tudo tem uma lição e faz parte da sua caminhada.
Mas essa espiritualidade vai além de uma simples filosofia, é o que explica a parte inexplicável do seu processo de criação, que o próprio define sempre como energia. ‘’Há coisas que não se explicam, por vezes parece que recebo sinais, que considero energia, vêm-me melodias à cabeça(…) que mais tarde tento reproduzir’’.
As energias governam a sua vida e estão presentes em tudo, materializando-se na música, nas relações com as pessoas, ou simplesmente na simbiose que cria com o público aquando das suas performances. Aliás, para ele ser Dj resume-se exactamente a esse papel de criador de uma energia forte e boa e suficiente ‘’que faça as pessoas viajar. Criar emoções e momentos durante o set que está a fazer. O DJ é aquela pessoa que tem de controlar o ambiente ao seu redor; de conseguir transmitir emoções às pessoas que estão na pista; de fazer com que elas se divirtam mesmo não conhecendo as músicas, de conseguir transmitir uma boa vibe! É ser isso tudo sem esquecer a técnica!’’, relembra.
Gratidão
A rainha do discurso e o seu estado actual. Em geral é grato por tudo, mas destaca os seus fãs, pois é a eles que deve tudo o que conquistou.
Relativamente aos mesmos (fãs), refere com emoção duas situações que o marcaram particularmente, ‘’o Quénia foi algo muito especial, muitos não sabiam sequer quem eu era mas depois de meia hora a tocar já estavam a receber-me como se fosse um artista nacional, então teve muita força! Eu até nem sou de subir para cima da mesa, mas no final do set eu próprio senti essa necessidade, em forma de agradecimento por todo o carinho que aquelas pessoas me deram. No momento em que estava a tocar a minha música nova, (na altura era o Zugu Zugu), foi a loucura…incrível!! (…) Também fui agora à Rússia e simplesmente as pessoas mostraram um love enorme. Tem sido assim, aonde vou sou recebido sempre de uma maneira especial… uma caminhada incrível’’, conclui com um suspiro profundo, como se tivesse acabado de lhe ‘’cair a ficha’’ em relação ao quão longe chegou.
Humildade
Falar com o Djeff é uma lição de humildade. Alguém que literalmente já conquistou o mundo com a sua música, pisou palcos como o MEO Sudoeste, Watergate de Berlim, Rex Club de Paris, Ibiza, etc; tocou ao lado de sumidades homólogas, mas continua com os mesmos amigos, os mesmos gostos e acima de tudo, imune aos demónios da fama e do sucesso, talvez porque para ele o sucesso seja uma outra coisa. ‘’Tenho consciência (do sucesso), dá-me orgulho e fico feliz, mas tento afastar-me disso. Sou do tempo em que se seguiam os DJs pela música que tocavam ou faziam, na altura eram poucas as pessoas que tinham internet e aqueles DJs já eram internacionais e já eram seguidos. Até hoje tento manter isso à minha maneira, não me toca muito se as pessoas me seguem ou não, se não tivesse de usar redes não usaria, fico mais feliz por saber que alguém não me segue mas vai aonde eu estiver a tocar, isso é que me deixa feliz. Baterem palmas quando termino, dizerem ‘obrigado’. Isso é que é sucesso!’’
E também, ao contrário de muitos, não faz distinção entre o seu público, nem em quantidade, nem em qualidade, ‘’sempre que for tocar, seja onde for, tenho de me divertir e as pessoas também, sejam elas três, mil ou 40 mil’’
Paixão
De mãos dadas com a dedicação e trabalho, a paixão pelo que faz sai-lhe dos poros, os seus olhos brilham quando fala da profissão e imediatamente aparece um sorriso pueril. Durante este bocadinho connosco, o qual é impossível passar para papel, foi incansável na explicação de metodologias, rituais, vocábulos e pormenores técnicos, chegando mesmo a recorrer a onomatopeias engraçadas para não deixar quaisquer dúvidas do outro lado. E deixa bem claro que ‘’a melhor coisa que a minha carreira trouxe foi paz de espírito porque nunca trabalhei, faço o que amo’’.
Apesar de já ter músicas suficientes para um álbum, não sabe se fará um para já. Talvez nos fiquemos apenas pelos singles (Zugu Zugu, Ouagadougou, Labyrinth, etc), talvez não, mas aconteça o que acontecer, certamente encontrará um modo de traduzir essa energia numa melodia, de um modo natural, que nos faça dançar, até porque, como nos disse, ‘’o que mais gosto de fazer na vida é fazer as pessoas dançar’’. E por isso, nós é que lhe estamos gratos!
Artigo publicado inicialmente no editorial de Maio.