Na sua essência, Hermenegildo Mahapi – conhecido no universo musical como DJ Satélite – é um visionário. DJ, produtor musical, amante da tecnologia, do automobilismo e até da arte culinária, este nome incontornável da música eletrónica africana acaba de lançar o seu mais recente projeto: o álbum “Raízes”, um marco que encerra a trilogia iniciada com “Horizonte” e “Caminho”.

Mais do que um álbum, “Raízes” é uma ode à fusão entre tradição e modernidade, onde as batidas da house music se entrelaçam com os sons da cuíca, do djembe e da dikanza, e onde línguas como o Umbundu, Kikongo, Lingala e Xhosa ecoam numa viagem sonora que rompe fronteiras. “Queremos mostrar o horizonte, a viagem que fizemos pelo mundo e as descobertas de outros artistas fora do nosso universo musical”, explica o artista em entrevista exclusiva à Revista Chocolate Lifestyle.
Com uma tracklist robusta de 28 faixas, o álbum surpreende logo pela organização estratégica: começa com tons mais suaves, elevando-se gradualmente até ao ponto de viragem com a faixa “África” – uma experiência pensada ao detalhe por Satélite e pelo coprodutor DJ Gálio, cuja relação criativa foi marcada por debates intensos e um perfecionismo assumido: “Discutimos frequentemente, até sobre o momento certo para começar a partilhar o álbum”.

Entre as colaborações de peso, destaca-se o reencontro com Boddhi Satva, que resultou na criação da poderosa faixa Bolingo. “Levámos mais de seis meses à procura da sonoridade ideal, e, no final, tudo se resolveu em apenas quatro horas. A Lingala e as guitarras foram os elementos fundamentais que nos fizeram viajar e deram vida à faixa”, conta.
E por falar em viagens, Raízes é também um mapa emocional da música africana. Desde os encontros com Kaysha, de quem partilha a “mesma língua musical”, à descoberta da voz única de Jéssica Gaspar, conhecida do grande público pelo filme “Cidade de Deus”, tudo foi pensado para ligar pontos no grande continente criativo afro-eletrónico.
Satélite, com mais de duas décadas a construir o futuro da música africana, fala com orgulho do percurso do Afro House, que viu nascer, crescer e ganhar palcos internacionais. No entanto, alerta para a descaracterização do género:

“Hoje, há uma força global a tentar reescrever a história do Afro House… Se não fortalecermos os nossos festivais, corremos o risco de ver a Europa redefinir o Afro House como algo apenas melódico”.
O mesmo cuidado é pedido para o Kuduro, género que também ajudou a moldar com álbuns históricos como “Batida Única” e “Estado Maior do Kuduro”. Apesar do sucesso além-fronteiras, DJ Satélite lamenta que em Angola ainda não haja uma indústria sólida que valorize estes artistas como merece. “99% dos artistas de Kuduro em Angola não ganham com as suas próprias músicas”, afirma, alertando para a necessidade urgente de mais workshops, conferências e ações formativas que ajudem a profissionalizar o mercado musical nacional.
Sobre o segredo da longevidade na música? O artista não hesita:
“Boa música é como boa educação: se tivermos atenção aos mínimos detalhes, é possível tudo acontecer”.
Com o lançamento de Raízes, DJ Satélite não só fecha um ciclo criativo como lança sementes para que um futuro onde a identidade africana – sonora, cultural e emocional – continue a ser celebrada, sem filtros nem concessões.

E se depender dele, a batida angolana continuará a ecoar nos quatro cantos do mundo, sempre fiel às suas raízes.
Texto: Gracieth Issenguele