A poetisa e histtoriadora angolana Ana Paula Tavares, anunciada na semana passada vencedora do Prémio Camões de Literatura, manifestou-se preocupada com a falta de circulação da literatura angolana e africana local e regionalmente.
“Nós não conhecemos os nossos escritores vizinhos congoleses, não conhecemos os nossos escritores vizinhos zambianos. E isso é pena, que o livro no continente não circule de maneira mais fácil. É pena que o livro se tenha transformado num objeto de luxo”, referiu a escritora, em entrevista à Rádio Nacional de Angola, na última sexta-feira.
A autora de 72 anos observou que, não obstante a disoponibilização de livros em formato digital, ainda precisamos do livro físico, de virar as folhas, de reflectir sobre a folha e de apreciar essa mesma leitura.
“Os nossos estudantes, os jovens dificilmente conseguem comprar um livro. Bom, a internet hoje, de certa maneira, torna as coisas mais fáceis, disponibilizando muitas vezes livros, mas não é a mesma coisa. Embora eu ache que ler é fundamental, qualquer que seja o suporte físico dessa leitura”.

A escritora lembrou que a ideia de angolanidade foi criada primeiro na literatura com aqueles então muito jovens da geração Cultura, da geração Mensagem, que muitos deles pagaram com a prisão essa afirmação literária das questões da identidade e da angolanidade.
“Não é uma coisa que tenha sido inventada por mim, mas eu penso que a literatura tem para Angola a capacidade de dizer as coisas muito antes que elas aconteçam”.
Cultura não está em crise
Ana Paula Tavares sublinha, entretanto, que o percurso da literatura angolana ao longo destes 50 anos não a desponta. Ademais, para ela, o universo cultural angolano não está em crise, não está parado. Há um cinema novo a aparecer, há uma literatura nova a aparecer.
“Há muito boas surpresas que foram surgindo ao longo destes 50 anos. No romance, na poesia, nós olhamos e encontramos vozes muito firmes, muito conseguidas a dizer coisas novas. E eu fico muito contente porque há outras áreas culturais onde também os jovens têm uma palavra a dizer na música, na dança, noutras instâncias”, considera, apesar de ter consciência dos problemas que existem ao nível do ensino, das dificuldades da escrita e da leitura como um impedimento para que novas correntes possam surgir na literatura.
Para a Prémio Camões, a literatura angolana não é suficientemente valorizada. “Acho que não, mas se todos nós nos empenharmos pode mudar. Precisamos de mais bibliotecas, mais jornais, mais programas culturais nas televisões públicas e privadas. A rádio tem um papel fundamental na divulgação da cultura porque a rádio é ouvida e continua a ser ouvida em toda a parte, mesmo aos sítios onde não é possível ter televisão, embora os telemóveis existam em todos os cantos de Angola”, diz, acrescentando que os órgãos de comunicação social podem ter um papel muito importante na divulgação daquilo que se fez, no trabalho para que a memória colectiva não se apague e não seja reconstruída por uma outra memória que serve de propósitos e que não é a verdadeira memória.
Mais importante prémio da Língua Portuguesa
A poetisa e historiadora Ana Paula Tavares foi anunciada na quarta-feira da semana passada como vencedora do Prémio Camões 2025, o mais importante da língua portuguesa — vai receber 100 mil euros, concedidos por meio de subsídio da Fundação Biblioteca Nacional (FBN), vinculada ao Ministério da Cultura (MinC), e do Governo de Portugal.
O júri desta edição foi composto pelo professor José Carlos Seabra Pereira (Universidade de Coimbra – Portugal); professora, poeta e ensaísta Ana Mafalda Leite (Universidade de Lisboa – Portugal); pelo professor Francisco Noa (Universidade Eduardo Mondlane – Moçambique); pela professora e pesquisadora Lúcia Santaella (PUC-SP – Brasil); pelo professor, historiador e membro da Academia Brasileira de Letras Arno Wehling (Brasil); e pelo escritor e crítico literário Lopito Feijó (Angola).
Segundo o júri, o prémio foi atribuído à escritora angolana “distinguindo a sua fecunda e coerente trajetória de criação estética e, em especial, o seu resgate de dignidade da poesia”. O parecer também ressaltou que, “com a dicção do seu lirismo sem concessões evasivas e com os livres compromissos da produção em crônica e em ficção narrativa, a obra de Ana Paula Tavares ganha relevante dimensão antropológica em perspectiva histórica”.
A escritora revelou à RNA que por altura do anúncio tinha acabado de chegar do trabalho “fiquei muito quieta porque me parecia um bocado inacreditável e impossível. Foi a única reação que tive”.
