Por entre dunas e mais dunas, a uns 80 km da foz do Cunene e do limite sul de Angola, uma ilha inesperada guarda aquilo que resta de uma antiga povoação erguida por ousados pescadores algarvios, que chegou a ser o centro piscatório mais importante da colónia, e que muito contribuiu para o avanço do distrito de Moçâmedes (Namibe). Depois de décadas de abandono, após 1975, a Baía dos Tigres é hoje esqueleto de si mesma, um espectro de edifícios semi enterrados no deserto a clamar ajuda, algumas pescarias abandonadas, outras tantas casas de habitação, uma esplendorosa Capela, uma escola, um posto sanitário, um hospital, uma delegação marítima , uma estação postal, grande número das quais construídas sobre pilares de cimento, em forma de pala-fita, para deixar passar os ventos fortes que tudo cobriam à sua passagem. Um cenário verdadeiramente hollywoodesco!
As estruturas semi-enterradas da pequena povoação, fundada nos anos 1865, mostram-nos como ela era, dividida por uma única rua que era também pista de aviação. Em 1975, logo após a Revolução dos Cravos, a Baía dos Tigres foi abandonada, e a povoação, isolada, sem água potável nem transportes, sucumbiu a um abandono definitivo.
Foram tripulantes de navios baleeiros americanos que operavam no Atlântico Sul, entre Angola e a Ilha de Sta. Helena, e que visitavam com frequência a Baía dos Tigres, onde pescavam, que alertaram os pescadores algarvios de Porto Alexandre sobre a fartura de pescado daquelas águas frias e ricas de vida marinha. Os mesmos baleeiros que em Moçâmedes iam abastecer-se de água e adquirir alimentos frescos que passaram a negociar os produtos agrícolas, marfim e gado bovino que vinham do sertão.
Assim nasceu a povoação da Baía dos Tigres, cuja única razão de ser era a actividade piscatória, favorecida pela abundância de peixe, relacionada com a constante subida das águas das profundezas (upwelling), frias e muito ricas em plâncton, factor que se sobrepôs a todos os condicionalismos que impunham as maiores dificuldades à presença humana. Não foi por acaso que os ingleses chamaram à Baía dos Tigres, Great Fish Bay (Grande Baía de Pesca). Para além da grande quantidade de pescado, e dos animais marinhos que por ali proliferavam, de entre os quais abundantes tartarugas, a Baía dos Tigres é riquíssima em espécies de aves que ali nidificam.
E quanto à designação “Baía dos Tigres”… Porquê? Se na realidade ao longo dos 35 km da ilha, com dez km de largura, não há notícia de um único tigre? E ao que parece, nunca houve!
São várias as teorias sobre a origem do nome da Baía dos Tigres. Algumas aventam que o nome Baía dos Tigres foi inspirado nos fortes ruídos causados pelo vento que sopram a sul da baía, semelhantes ao uivo de um animal, resultante do efeito do movimento das areias das dunas impulsionadas pelos ventos fortes que fustigam a Baía, agora transformada numa Ilha. Outras apontam para os jogos de luz e de sombras que nas areias se refletem vestindo-as de uma pele listada, similar à dos tigres. Ainda outras referem que o lugar estava infestado de hienas listadas e de cães selvagens hábeis em pescar em matilha, que teriam sido confundidos com tigres. Há ainda a teoria das focas, os “tigres do mar”, que ali passam à boleia das águas gélidas vindas do sul.
Entre o século XV e a data do povoamento daquelas areias, em 1865, cartógrafos navegadores assistiram à transmutação periódica que ali foi ocorrendo. Cartas e mapas de navegação de todo o mundo testemunham a transformação cíclica da restinga em ilha, e da ilha em restinga. A última vez que a Baía dos Tigres perdeu a ligação a terra firme foi em 14 de Março de 1962. Neste dia, contam testemunhas da época, uma forte calema com ondas de mais de dez metros rompeu o frágil cordão de areia que ligava a Baía dos Tigres ao continente e transformou a povoação numa ilha. E assim permanece até hoje. Por essa altura, deu-se a ruptura dos canais que traziam água doce desde a foz do Cunene até à Baía dos Tigres.
A Baía dos Tigres, ou melhor a Ilha dos Tigres, é hoje um lugar abandonado: árido, salgado, fantasmagórico, um lugar sagrado em meio as dunas que não param de movimentar sob a força de ventos fustigantes que tudo cobrem à sua passagem . Um lugar apesar de tudo, fascinante, e cada dia que passa mais aumenta o risco do seu completo desaparecimento.
Apressem-se a visitar, porque vale mesmo a pena!