Arte para se falar de arte. Assim se pode descrever o ambiente e a envolvência desta entrevista. As cores, os livros, os quadros, os discos, tudo no TRIPALUS convida a falar e a viver a arte. E foi isso que fizémos quando nos sentámos com Ayana para conversar sobre esse tema e outros, aproveitando a sua presença em Angola, para um programa de residência artística (AIR, ou artist-in-residence), organizado pelo ELA (Espaço Luanda Arte)
Se não conhece o trabalho de Ayana Jackson, está na hora de pesquisá-lo.
A premiada fotógrafa e realizadora Norte Americana diz ser na verdade uma ‘’criadora de imagens’’, cujo maior objectivo é ‘’tentar complicar as coisas, o objectivo é criar o que te faça pensar que há algo mais, algo que vai além da imagem, quero que perguntes ‘what else? O que está fora da moldura?’ ’’.
E acreditamos que se analisar o trabalho dela, vai sentir exactamente isso, pois tudo o que faz conta uma história, principalmente a história da comunidade afro-americana entre os séculos XIX e XX. E as imagens, sejam elas em foto ou vídeo, obrigam-nos a questionar, a procurar, a querer saber mais.
A escolha desse período não é por acaso, Ayana explica-nos que ‘’é o mais para trás que consigo ir na história da minha família, cresci com as fotos deles em casa e nunca os conheci, nunca os vi, nunca falei com eles, mas queria saber mais’’. Depois de uma longa pausa, acrescenta, ‘’para mim a dignidade dos escravos é importante, é fácil dizer ‘fomos escravizados’, mas nisso tudo houve uma dignidade e isso é muito importante e eu quero passar essa mensagem!’’.
É desse modo artístico que Ayana vai exercendo um activismo firme, marcante mas subtil. Através das suas obras, faz declarações sobre o que sente em relação à sociedade, à política, à humanidade, ‘’essencialmente tornei-me artista porque tinha uma mensagem específica a transmitir e a arte era o veículo certo para isso’’.
E não poderia ser de outro modo, pois o activismo está-lhe no sangue. Nasceu no berço de uma família panafricanista e muito importante para a comunidade afro-americana. A sua avó, Angenetta Still Jackson (a responsável pelo seu amor pela fotografia), é descendente de Leah Arthur Jones – membro da família fundadora do primeiro Black Settlement de Nova Jersey. E o seu avô, J. Garfield Jackson, foi o primeiro reitor afro-americano do Condado de Essex, tendo mesmo uma escola primária baptizada com o seu nome.
Em suma, Ayana faz parte da máquina de mudança social e está a fazê-lo de frame em frame, de um modo expressivo e profundo, ‘’as minhas fotos são representação, dignidade, narrativas esquecidas (…) Há feridas específicas que a humanidade tem e a escravatura é uma delas, o Colonialismo também. O Colonialismo construiu reinos que não merecem estar de pé, então têm de remediar isso. E até isso ser reconhecido e remediado, nenhum de nós vai ser feliz.’’
Jackson tem a capacidade de captar a essência de ser negro, que para ela se traduz em ‘’humanidade, nós negros somos o material de origem. Todas as nossas características genéticas são uma mutação da fonte e eu tenho orgulho de ser visivelmente parte dessa fonte’’.
São imagens que falam connosco, mas deliberadamente não nos dizem tudo, porque cabe-nos a nós completar o diálogo.
Artigo publicado inicialmente no editorial de Maio.