A coreógrafa e diretora artística da Companhia de Dança Contemporânea de Angola, Ana Clara Guerra Marques, alerta para o risco de esvaziamento das danças tradicionais, consequência da sua descontextualização e transferência para um Carnaval Nacional uniformizado. Em entrevista ao Jornal de Angola, por ocasião dos 50 anos da Independência, afirmou que, ao longo destas cinco décadas, Angola não conseguiu garantir a formação profissional necessária, nem produzir material científico que sustente uma preservação séria do património coreográfico nacional.

Entre as poucas referências existentes, destaca-se o livro “Máscaras Cokwe: a linguagem coreográfica de Mwana Phwo e Chiongo”, da própria coreógrafa, e “Coreografia Rural”, de Mário Kajibanga, que permanecem como raras contribuições para o estudo das danças patrimoniais. Ana Clara sublinha ainda que a fundação da Companhia de Dança Contemporânea de Angola marcou o início da dança profissional no país, mantendo-se até hoje como a instituição que mais produz.
A CDC Angola soma já 32 obras originais, mais de 300 espetáculos no país, apresentações em 17 países e 39 cidades, além de formações, publicações, documentários e exposições. Um percurso de 34 anos que resiste apesar das fragilidades do sector, onde persiste a ausência de políticas sólidas de promoção cultural. Após a Independência, esta responsabilidade era exclusiva do Ministério da Cultura, mas com a abertura ao sector privado, a falta de regulação tem permitido a coexistência de espetáculos de mérito duvidoso com iniciativas de grande valor artístico, muitas vezes invisíveis por falta de apoio.

Apesar disso, Ana Clara reconhece avanços importantes, citando exemplos como a histórica Companhia Dançarte, ativa entre 1999 e 2009, e a ascensão recente da Companhia Palaça no campo da dança contemporânea. Já nas danças tradicionais, vários grupos regionais continuam a desempenhar um trabalho notável, tendo mesmo conquistado o Prémio Nacional de Cultura e Artes, embora careçam de orientação técnica na área da Etnocoreologia para preservar e organizar o seu acervo.
A directora artística ressalta ainda que elevar certas danças a Património Nacional ou da UNESCO é um passo relevante, mas exige sustentação real e dossiers preparados de forma rigorosa. Para si, “a dança deve ser assumida não apenas como entretenimento ou herança ancestral, mas como arte actual de criação autoral e como um verdadeiro pólo de desenvolvimento social e de transformação”.
No seu entendimento, o Prémio Nacional de Cultura e Artes deverá regressar ao formato inicial, distinguindo Produções Artísticas anuais, Percursos de Carreira e incluindo Prémios Póstumos, uma vez que o modelo actual perdeu a capacidade de valorizar a excelência artística. Ana Clara lamenta ainda que Angola, apesar de albergar a 4.ª Companhia de Dança Contemporânea em África, não tenha desenvolvido a consciência da importância das artes enquanto espelho do mundo actual, continuando dependente da CDC Angola como referência isolada.
A falta de infra-estruturas é outro ponto crítico. Desde a demolição do Teatro Avenida, em 2008, e o encerramento do Cine Teatro Nacional, em 2014, a capital deixou de contar com teatros convencionais adequados. A Casa das Artes, apesar das boas condições, é privada e de difícil acesso devido aos custos de aluguer; o auditório do CEARTE perdeu relevância após uma inundação e a falta de programação regular; e espaços como a LAASP não substituem a função de um teatro. Para Ana Clara, esta carência estrutural impede o progresso da dança: para os artistas, diz, esta falta de espaços “é equivalente a médicos sem hospitais”.
