No silêncio do restaurante Locomotive onde aromas dançam antes de chegar ao prato, o chef Nário Tala, senta-se descontraído e de forma exclusiva para Revista Chocolate. Dono do restaurante Mesa da Fazenda e uma figura já conhecida no cenário gastronómico angolano, ele fala da vida e da cozinha como se ambas fossem inseparáveis. E talvez sejam mesmo.
Afinal, para Nário, cozinhar não é apenas técnica, é destino. Enquanto muitos descobrem a carreira ideal na faculdade, Nário Tala já sabia o que queria ainda nos tempos de escola.

“Eu nasci a cozinhar”, afirma com a simplicidade de quem não precisa provar nada.
Sonhava estudar Gastronomia ou Gestão Hoteleira na Namíbia, mas o acesso era limitado para estrangeiros. Isso não o fez desistir: encontrou estágios, oportunidades alternativas e aprendeu trabalhando. Na prática. No fogo. Onde sempre se sentiu em casa.
A culinária de Nário é um mosaico cultural. Não há como atribuir-lhe uma única origem: ela nasceu da soma de países, cheiros, pessoas e desafios.
“Nós acabamos por ser um pouco de tudo que vivemos”, diz ele, e isso resume bem a sua trajectória.
A Namíbia, onde começou ainda jovem, deixou marcas profundas. Os Emirados Árabes trouxeram rigor e ritmo. Macau trouxe novos sabores, novas filosofias. E Angola, sempre. Angola é o ponto de partida e de retorno.

Antes de se afirmar no exterior, o chef enfrentou o que muitos talentos enfrentam em casa: o desafio de ser levado a sério.
“O mais difícil em Angola foi ser acreditado como profissional”, relembra.
Curiosamente, trabalhar fora trouxe desafios maiores, mas também melhores condições. A exigência era alta, mas havia estrutura. E tudo isso, diz ele, formou o cozinheiro que é hoje.
Nário é categórico quando se fala em formação. Para ele, o título de “chef” não nasce na sala de aula, mas na labuta diária.
“As academias formam cozinheiros. O resto vem depois, com trabalho.”
O seu compromisso com a formação vai além da cozinha: ele prepara cozinheiros, barmen, atendentes. Ensina o que vive. E acredita que não se deve exigir aquilo que não foi ensinado.
Depois de dez anos na profissão, o chef se reconhece como alguém livre.
“Tenho liberdade para criar o que me vem à alma. Sou artista.”
E basta ouvir a forma como ele fala da cozinha para perceber que essa liberdade não é apenas estética é emocional.
Sobre o futuro, Nário não complica:
“Quero cozinhar e continuar a ser respeitado, seja onde for. Mesmo que não seja na minha terra.”
É um desejo simples, mas profundo. É o desejo de quem sabe que o seu trabalho fala por si.
Com a rotina intensa dos restaurantes, queríamos saber como concilia a vida pessoal. A resposta vem com uma pitada de humor:
“A cozinha é a primeira mulher. Depois dela, vem qualquer outra.”
Para descontrair, prefere conversar com amigos, partilhar uma refeição simples na rua um pão com frango, um pincho — e aproveitar esses momentos de leveza que aliviam o stress.
Nário Tala é assim: direto, intuitivo, livre. Um chef que carrega memórias no tempero, coragem no percurso e arte em cada criação.
E talvez seja por isso que, ao provar um prato seu, não sentimos apenas sabor: sentimos história.


