Gostar de comer não é propriamente uma referência daquelas que se pode associar a um legado, muito menos de um corpo que facilmente se perde nas vistas dos outros, justamente por este [corpo] timidamente ocupar espaço. Mas a comida é certamente uma das paixões de Cláudio Silva, não puderam nos mentir o brilho dos olhos, que auxiliados pelo riso, lembram os galãs das novelas quando estão caidinhos pelas artistas.
“Fascina-me a transformação do ingrediente. Até hoje pareço uma criança numa loja de brinquedos.”, reconhece o próprio.
Cláudio Silva recebeu-nos no já prestes a abrir restaurante Kissanje, junto ao antigo Mexicana, a alguns passos da entrada principal do Hospital Maria Pia, Maianga. Um projecto idealizado há 15 anos, muito antes de a mãe se mudar dessa casa onde Cláudio viveu intensamente a infância. Lembra-se, em 2010, quando veio passar férias, ter terminado em casa o histórico jogo Angola 4 vs Mali 4, após desistir do estádio.

A simplicidade é marca característica desse gestor. A atenção e interesse que disponibiliza numa conversa são indícios de quem nutre a avidez pelo conhecimento. Mais disposto a ouvir do que falar.
A paixão pela culinária começa nos Estados Unidos de América, no tempo de formação de Gestão Empresarial e Empreendedorismo. A arte de servir e ser servido e a transformação dos ingredientes é que torna irresistível a queda no processo do manjar.
“Gosto muito de comer. Isso é que me fascina. Gosto muito da arte da gastronomia, acho que é uma coisa cultural e artística”.
Refere que a qualidade do ingrediente é crucial para a composição de um prato de qualidade. “Quanto menos integrações tiver, melhor…Por isso que gosto muito de ir para as fazendas aqui, vejo um tomate, cenoura como deve ser”.
Refere que peixes e mariscos são maior activo angolano em termos de ingredientes, e para alimentar esse desejo não desperdiça a oportunidade de ir à Chicala sempre que pode, para experimentar a varieade, com a confecção típica das vendedoras.

“Elas confeccionam aquilo de uma forma fantástica. Deliciosa, claro! Estou a comer cada vez mais peixe por causa disso”, diz.
Cláudio é vezes sem conta associado ao contributo prestado na qualidade da restauração e hotelaria em Luanda, através da plataforma Luanda Nightlife (LNL), um portal sobre gastronomia e turismo interno criado em 2011, um ano depois de ter rabiscado o plano do restaurante.
Luanda Nightlife iniciado com franceses
O LNL começou como um blog, criado por dois franceses, que residiam em Luanda e informavam a outros expatriados e não só sobre as novidades de restaurantes, o serviço, o ambiente, a relação preço-qualidade. Os franceses, que eram amigos de Cláudio, ofereceram o projecto ao angolano e se recusram receber qualquer contrapartida.
“Então, quando volto para Angola em 2013, reúno-me com o Massal. Com quem também já interagia e disse que temos aqui uma oportunidade para criarmos algo sólido. O Massal, por acaso, também tinha o seu próprio blog de comida, de restauração. Então, juntámos as duas coisas. E fundámos a empresa como LNL”.
A tarefa seguinte foi redirecionar o LNL para o público angolano, o que implicava mudar o idioma de inglês para Português, com conteúdos escritos por angolanos “num tom terra-terra, tu-para-tu”, lembra. A plataforma cresceu, abrangendo conteúdos sobre hotéis e resorts. Os eventos sobre premiações dos melhores restaurantes e hotéis permitiu atrair importantes parcerias como a TAAG, Standard Bank, Sogrape, entre outras instituições.
Tudo ía tão bem até que a Covid-19 interrompeu. “Nós nunca fomos os mesmos depois da Covid. Entrou quando íamos fazer a segunda edição dos Prémios. Tínhamos feito até a conferência de imprensa.
O sonho prestes a se realizar
O conceito, original, do restaurante Kissanje, procura conservar a decoração e ambiente tranquilo de uma residência familiar através de uma simbiose entre o rústico da sala de jantar e o moderno denunciado pelos bancos e mesas de bar no quinta. A antiga casa de família está a ser transformada em um restaurante, um wine bar e um cocktail lounge.
“Isso aqui é um sonho. Eu escrevi o business plan para esse restaurante em 2010. Nós fundamos a empresa em 2011. Mas a vida não é linear”, Cláudio refere-se ao facto de o primeiro sucesso empresarial (LNL) ter brotado ano depois do plano do restaurante.
Mas o sonhador de então confessa que valeu a pena passar por certos percalços para valorizar o empreendimento que tem agora. “Não tinha maturidade suficiente para abraçar e gerir um projeto destes, naquela altura” , reconhece.
“Ao longo destes 15 anos pela casa, fui conhecendo profundamente o mundo da restauração. Fui ficando obcecado por comida, por gastronomia. E fui conhecendo muita gente, dentro e fora de Angola, que me ensinaram e deram-me muitos conselhos sobre este negócio”.
Ao estudar a evolução do negócio da gastronomia e da restauração, à volta do mundo, o empreendedor chegou à conclusão que é melhor o que se faz aqui no país, através de produtos “fantásticos que, em mãos experientes e com técnica, podem ser transformados em algo delicioso”.
Pode-se dizer que o Kissanje é o ápice do sonho de Cláudio, que o permite viver esta rara oportunidade.




