Marco Kabenda, o artista plástico que dedicou a vida a pintar as feridas e as glórias de Angola, partiu tragicamente a 15 de fevereiro, vítima de atropelamento e fuga, aos 50 anos. Nascido no coração de Luanda, mas criado na Kissama, onde as histórias da Rainha Njinga contadas pela avó moldaram o seu olhar crítico e livre, Kabenda deixou uma marca profunda e inapagável nas artes plásticas nacionais. Com mais de 1500 obras assinadas e presenças em bienais internacionais como Veneza e Cerveira, foi um dos primeiros a expor com ousadia temas como a guerra, a escravidão e a liberdade, transformando a dor coletiva em arte de intervenção.

Num país ainda a lutar pela valorização dos seus artistas, Kabenda foi também uma voz ativa na defesa da independência cultural, recusando-se a submeter a sua obra a qualquer poder. O homem que, com ironia, viu a sua primeira tela quase virar porta de casota de cão, foi o mesmo que conquistou o prestigiado Prémio ENSA-Arte e o VERA World Fine Art Festival, sempre com a mesma frontalidade que o caracterizava. A homenagem espontânea de centenas de pessoas na baixa de Luanda, enquanto o seu corpo ainda aguardava sepultura, foi um sinal de que, mesmo sem o devido reconhecimento oficial em vida, o povo não esqueceu o artista que lhes deu voz e cor. Marco Kabenda não foi somente um pintor — foi o espelho incansável de uma Angola que não teme olhar-se nos olhos.
Por: Gracieth Issenguele