Dame Mary Martin London é mais do que uma designer; é uma contadora de histórias, uma ponte cultural e uma rainha na sua própria essência. Coroada Queen Mother of the Diaspora na sua terra, Gana (Mama Nenyo I de Mafi Anfoe), o seu trabalho funde herança, sustentabilidade e alta-costura. A sua mais recente colecção, “Queen of All Nations”, criada durante o período de recuperação de uma cirurgia, presta homenagem à Rainha Ronke Ademiluyi-Ogunwusi e ergue-se como símbolo de resiliência, criatividade e fé. Da música à alta-costura, Mary Martin London incorpora criatividade com propósito.

Nesta entrevista exclusiva a Revista Chocolate Lifestyle, a designer residente em Londres partilha a sua jornada, em que inclui vestir a Miss World Angola; inspirações e a filosofia que orienta a sua arte.
RC: Mary, começou a sua carreira na música antes de se dedicar à moda. Como aconteceu essa transição e de que forma a música influenciou o seu trabalho como designer?
MM: Sim, comecei na indústria da música, que era um ambiente muito expressivo e criativo. A música ensinou-me ritmo, emoção e o poder da narrativa elementos que se traduzem de forma magnífica na moda. A transição aconteceu de forma natural. Sempre fui apaixonada por estilo e design e, durante a minha fase na música, já criava figurinos e peças únicas para mim e para outros. Eventualmente, percebi que a moda era o meio no qual poderia expressar totalmente a minha visão artística. As minhas colecções têm muitas vezes a mesma energia da música um ritmo forte, um crescendo dramático e uma história que se revela em cada peça na passerelle.
RC: Foi coroada Queen Mother of the Diaspora no Gana. Como é que este título impactou a sua visão criativa e o seu compromisso com a cultura africana?

MM: Ser coroada Queen Mother of the Diaspora no Gana Mama Nenyo I de Mafi Anfoe, na região do Volta foi uma das experiências mais humildes e transformadoras da minha carreira. É mais do que um título; é uma responsabilidade de honrar os meus antepassados e garantir que o seu legado nunca seja esquecido. Eles suportaram tanto para que eu pudesse estar onde estou hoje. Esse conhecimento molda a minha visão criativa, cada coleção carrega um sentido de realeza, orgulho e gratidão pelas gerações que abriram o caminho.
RC: As suas colecções abordam temas fortes, desde figuras icónicas como David Bowie até questões históricas como a escravatura. Como escolhe os temas que deseja explorar?
MM: Escolho temas que me tocam a um nível profundo e emocional. Pode ser uma figura cultural cuja energia me inspira ou um capítulo da história que precisa ser recontado através de uma lente criativa. Às vezes é uma ligação pessoal; outras, é sobre provocar uma conversa que o mundo precisa de ter. Como Mama Nenyo I, sinto também o dever de destacar histórias de África e da diáspora que transportam a nossa herança com dignidade e força.
RC: Uma das suas marcas registadas é o uso de materiais reciclados e peças vintage. Quão importante é a sustentabilidade no seu processo criativo?

MM: A sustentabilidade é essencial na minha filosofia criativa. Sempre adorei dar nova vida a algo que já carrega uma história. Usar materiais reciclados e vintage significa que as minhas criações têm história incorporada e isso desafia-me a inovar dentro dessas fronteiras. É também a minha forma de incentivar a indústria a refletir sobre o impacto ambiental da moda, sem deixar de criar algo luxuoso e intemporal.
RC: Já vestiu várias personalidades de destaque. Há algum momento ou cliente que considere verdadeiramente inesquecível?
MM: Oh, houve muitos momentos mágicos, mas um que se destaca foi quando vesti Heather Small a sua presença, voz e confiança deram vida ao vestido de uma forma poderosa. Vê-la usar a minha criação e apropriar-se dela completamente foi inesquecível. Momentos assim lembram-me de que, esteja em Londres, no Gana ou em qualquer parte do mundo, o meu papel como Mama Nenyo I é representar a excelência e a criatividade do continente africano.
RC: A coleção “The Return – Black Excellence” foi histórica por ter sido fotografada no Foreign Commonwealth and Development Office durante o Black History Month. Qual foi o significado desse momento para si?
MM: Foi monumental. Esse momento simbolizou uma ponte entre culturas, histórias e nações. Apresentar ‘The Return Black Excellence’ num espaço tão prestigiado, durante o Black History Month, foi uma afirmação de que a criatividade, a excelência e a história negra merecem um lugar no coração das instituições globais. Para mim, como Mama Nenyo I, foi também profundamente pessoal levei os meus antepassados comigo para aquela sala. Tudo o que faço é um tributo a eles, porque sem a sua resiliência, eu não estaria aqui a contar a nossa história através da moda.
RC: A natureza e a herança cultural africana aparecem frequentemente como inspirações nas suas peças. Pode falar-nos mais sobre a criação de estampados como “Slaves in the Trees” e outras influências visuais?
MM: ‘Slaves in the Trees’ foi uma homenagem aos meus antepassados se não fosse por eles, eu não estaria aqui hoje. Surgiu de uma visão poderosa que tive da história escondida à vista de todos, histórias incorporadas no mundo natural. Quis unir a beleza das paisagens africanas com a verdade dolorosa do nosso passado, criando arte que faz as pessoas parar, refletir e sentir. As minhas influências vêm de todo o lado: arte africana, música, folclore, até a cultura urbana. Como Mama Nenyo I, inspiro-me profundamente nas tradições da região do Volta e no simbolismo encontrado nos nossos padrões, cores e narrativas.
RC: Trabalha com uma equipa diversificada, incluindo modelos e profissionais de várias áreas artísticas. Como é que essa diversidade contribui para a sua marca?
MM A diversidade é a alma da minha marca. Cada modelo, fotógrafo, maquilhador e colaborador traz consigo a sua própria lente cultural, o que enriquece a narrativa das minhas colecções. A moda é universal e, quando temos uma equipa que reflete o mundo, o trabalho ressoa de forma mais profunda e autêntica.
RC: O que considera ser o maior desafio em manter um estilo tão arrojado e distintivo num mercado global cada vez mais acelerado e comercial?
MM: O maior desafio é manter-se fiel à sua voz quando a indústria pressiona pela velocidade e pela uniformidade. A fast fashion e as tendências comerciais podem diluir a individualidade, mas acredito que é vital permanecer autêntica. O meu estilo é arrojado porque transporta história, herança e uma mensagem isso não é algo com que esteja disposta a comprometer-me. O desafio é real, mas é também o que me mantém focada e determinada em criar algo intemporal em vez de temporário.”
RC: Quais são os próximos projetos ou sonhos que tem para a Mary Martin London?
MM:
Estou a trabalhar na criação de um centro criativo na minha aldeia, Mafi Anfoe, onde os jovens possam explorar moda, arte e cultura enquanto se conectam com a sua herança. Procuro investidores que partilhem esta visão para tornar isto realidade um espaço que inspire criatividade, preserve tradições e abra oportunidades para as futuras gerações. Também quero expandir para o lifestyle e interiores, levando essa mesma narrativa de alta-costura para dentro das casas.”
RC: Já considerou vir a Angola para realizar um desfile de moda?
MM:
Sem dúvida! Angola é rica em cultura, energia e estilo. Adoraria levar o meu trabalho até aí, colaborar com criativos locais e criar algo que una a minha visão com a incrível herança de Angola. Acredito que seria uma troca verdadeiramente espetacular.”
RC: Já vestiu alguma figura angolana?
MM: Sim, a Miss World Angola usou uma das minhas criações na London Fashion Week, e ela desfilou com tanta elegância e orgulho. Foi um momento maravilhoso de intercâmbio cultural, e espero vestir mais figuras angolanas no futuro.


Texto: Suzana André