Admiração e respeito mútuos. É isto que se percebe logo que se fala com ambas. É quase palpável e acima de tudo, louvável, num mundo onde cada vez mais reina o ‘’cada um por si’’, o egoísmo e a falta de companheirismo.
Nayma Izata e Mariângela Almeida mostram-nos que é possível ter beleza, talento e sucesso e mais: que é possível partilhar esse sucesso sem comprometê-lo.
Sorrisos rasgados e visuais frescos e in, que condiziam com o nosso ambiente: uma loja de roupa! Foi no atelier Pretah que nos receberam e foi lá também que lançaram a colecção ‘’Holographic Dreams’’, by FNXNZ (Fiu Negro e Nayma Izata).
Mais do que parceria, amizade
Mariângela Almeida e Nayma Izata contam-nos que a sua amizade começou quando ambas trabalhavam na Casa Paris, trabalho esse que permitiu a cada uma reconhecer e apreciar as qualidades da outra. Segundo M.A, da Nayma destacam-se a ‘’ética, profissionalismo; determinação e vontade de criar e crescer’’, enquanto que Nayma elogia a ‘’inovação; a persistência e a ética de trabalho’’ da amiga, o que fez com que o convite para esta colaboração surgisse como algo ‘’lógico e certo e automático’’ por parte de Mariângela e fez também com que Nayma aceitasse ‘’sem pensar duas vezes’’.
E assim surgiu a colecção ‘’Holographic dreams’’ by FNXNZ, um nome mais do que pertinente para uma colecção de chinelas (as preferidas de Mariângela) e sapatos de salto alto (os preferidos de Nayma), dominada pelo PVC holográfico e que é de facto, um sonho!
‘’Se eu subir, tenho de levar alguém comigo’’
É essa a filosofia profissional de Mariângela! Mas será que essa filosofia e a amizade a entre ambas são representativas da realidade comum da Moda em Angola (e não só)? Quase que automaticamente e com uma troca de olhares que se pode traduzir como ‘’Sabes? – Sei!’’, as meninas confirmam que têm noção de que são uma excepção à regra, que a realidade é mais competitiva, egoísta e pouco unida, sendo que Nayma já viveu e vive isso ‘’principalmente quando participo dos eventos de moda, no backstage, é visível.. há designers que passam e nem sequer olham para as tuas coisas’’. E é com alguma tristeza e desilusão que Mariângela confessa que ‘’sempre achei que fosse uma coisa que se passasse lá fora, (…) aqui como somos todos manos e primos, sempre achei que seria diferente, mas não, é exatamente a mesma coisa’’
Então o que é que é preciso para se sobreviver enquanto designer num mundo que consegue ser tão hostil? Segundo Mariângela, há que se ‘’amar arte e tudo o que vem com a mesma’’ e Nayma acredita que tem de se ‘’ser apaixonada(o) pelo o que se faz. Ser paciente, focada(o) e conseguir manter a sua essência ao longo dos anos e das mudanças neste mundo’’.
‘’Não é só fazer e já está’’
Sim, trabalham numa área cheia de beleza e glamour, mas até fazerem de si um consumidor feliz, há muitas dificuldades, obstáculos, provações, pelos quais os designers passam antes e depois do produto chegar ao mercado.
Antes de tudo, há uma primeira provação, comum a qualquer artista: o bloqueio criativo. É um problema familiar a ambas, mas (sorte a nossa) para o qual cada uma conseguiu arranjar um modo de superar. Nayma recorre ‘’à Mariângela e à minha prima, que também cria’’ e Mariângela ‘’dou um passo atrás para dar três para a frente, repito o que já fiz e mais tarde revejo’’.
Seguidamente, a mais gritante de todas as barreiras: a barreira financeira, e Nayma fala por ambas quando partilha que ‘’infelizmente a nossa produção não é local, há dificuldade de acesso às divisas, por vezes temos de recorrer ao mercado informal (…) é todo um processo para chegar até aqui, há pagamentos para fazer; as taxas aduaneiras são elevadas…não é só fazer e já está’’.
Além disso, também existe a gestão humana, desde modelos que podem requerer mais ‘’atenção’’, seja por ‘’pedir coisas óbvias como que tenham os pés arranjados, ou que não andem com os sapatos aqui e ali’’, (desabafa Nayma) até às próprias clientes que, não obstante ambas reconhecerem que o ‘’cliente tem sempre razão’’ e de terem perfeita noção da importância fulcral do mesmo, também admitem que por vezes é desafiante porque, diz Mariângela, ‘’lidar com o público é muito difícil, por mais que oiças o que não queres ouvir (porque as pessoas não têm filtro e dizem a primeira coisa que lhes vem à cabeça) tu tens de sorrir porque o cliente tem sempre razão’’, ao que Nayma acrescenta que ‘’recebemos tudo com um sorriso porque o nosso ganha pão vem deles, mas há muitos que não entendem…’’.
As estilistas e o estilo
Para ambas, estar bem vestido é estar confortável e como tal, as chinelas são uma constante nos seus armários. Mariângela, mais minimalista, não dispensa uma camisa branca oversized e Nayma sente o mesmo em relação às leggings pretas.
O seu estilo pessoal também tem peso nas peças que criam, principalmente nas peças da Fiu Negro, sobre a qual Mariângela conta que ‘’criei a Fiu Negru em torno do que gostaria de ver a minha volta. Menos costuras, linhas rectas, minimalismo. Uma das minhas máximas será sempre menos é mais!’’. Por outro lado, apesar de Nayma criar muito com base no seu próprio estilo, ‘’em 30% das criações arrisco e tento criar o que gostaria de usar mas que talvez ainda não tive coragem de o fazer. E funciona. Por norma os modelos que crio mais “Edgy” ou os menos clássicos são os hits da colecção’’.
Preocupam-se com o visual, principalmente devido à pressão externa, pois para o público, por fazerem moda, não podem ‘’estar mal’’ e tanto Nayma quanto Mariângela já viveram experiências em que foi clara a ‘’desilusão’’ quando viram ‘’o rosto’’ da marca, tendo então decidido fazer um esforço maior para estarem sempre ‘’apresentáveis’’.
De África para o mundo: Inspirações e pretensões
O que é que inspira estas talentosas jovens? De onde bebem para criar as belas peças com que nos presenteiam? ‘’Eu sempre fui muito de seguir tendências. Ter sempre as últimas edições de revistas, programas de moda e dormir com o televisor no Fashion Tv. Então acho que criei a minha marca e desenvolvo o meu trabalho por aí, ver o que está out there e com isso trabalhar nas minhas próprias criações, funciona muito bem para mim como criadora, e para o meu público que na sua maioria ainda é angolano’’, partilha Nayma. Quanto a Mariângela, diz que ‘’sempre fui aluna de artes. Com isso desenvolvi a capacidade de me inspirar apenas olhando para um objecto, pessoa, ou mesmo situação. O meu processo criativo depende muito do que estou a viver no momento, de como espero que o próximo se sinta quando vestir alguma criação minha. É definitivamente a minha parte favorita!’’
Em comum têm o facto de nenhuma se inspirar no que toca à moda masculina e preferirem jogar pelo seguro, aperfeiçoando aquilo que já conhecem e sabem fazer, em vez de se aventurarem por águas não antes navegadas.
E sonhos? Sendo que já têm um nome no mercado, um público fiel e muito reconhecimento, o que mais se pode querer? Dir-se-ia que já atingiram o sucesso, não?
Não é bem assim, até porque Mariângela não acredita ‘’(…) que tenha atingido ainda o sucesso, mas creio que estou a caminho. Sucesso para mim é ver todas as pessoas do mundo vestirem a minha marca, não só Angolanos. O meu compromisso é mostrar o que temos de melhor, e também, com a ajuda de outros designers, por Angola no mundo!’’.
Nayma sente também que ainda falta algo pois o ‘’sucesso para mim é chegar aonde eu imagino e oro a Deus para chegar. Já estive distante dele, mas sem sombra de dúvida estou mais perto que nunca.’’, até porque ela sabe exatamente o que tem em mente: ‘’tenho uma visão: uma cidade metropolitana com um escritório no alto, vidros transparentes com uma mega vista’’, partilha entre muitos risos mas com bastante segurança.
‘’Descansa quando chegares ao topo’’
Para os demais, que também sonham e querem mais, elas deixam conselhos de trabalho árduo e foco.
E a estes conselhos nós acrescentamos que sigam o belo exemplo destas duas designers, exemplo de união, amizade de partilha e de entreajuda que, como podemos ver, só soma e multiplica o que já se tem, nunca subtrai!
Entrevista disponível na edição de Março