BEHIND THE RED HAT
‘’A arte veio para ficar, já está e sempre esteve entre nós’’, disse ele, que veste, pensa, fala e respira arte. Com o seu característico chapéu vermelho e um modo de falar que mistura timidez com misticismo. Mas afinal, o que esconde esse chapéu?
The man behind the red hat
O homem por trás do chapéu vermelho é Abdel Keita Tavares ー ‘’muito alegre, sem problemas, muito sonhador, forte, que ajuda o próximo, que gosta de aprender, curioso e interessante’’. Nasceu na Guiné-Bissau e foi para Portugal com 14 anos, onde tirou o curso de turismo. Posteriormente ー em 2016 ー resolveu mudar-se para Londres, pois acreditava que aí, o artista dentro dele teria mais expressão e exposição. ‘’Quando estava em Portugal sempre acreditei que se saísse de lá, a minha vida iria mudar, foi por isso que me fui embora (…) desde que cá cheguei tudo começou a melhorar.’’
E pegando nessa questão geográfica, o fotógrafo faz uma análise comparativa dos três países, a nível da relevância atribuída à arte: ‘’a Guiné tem várias pessoas com muito talento, mas não são reconhecidas porque não as valorizam enquanto artistas, talvez pelo estado do país, que ainda se encontra em desenvolvimento (…) em Portugal os artistas até podem ser reconhecidos e valorizados mas é muito complicado… basicamente quase todos têm de ir para fora tentar a sua sorte, porque dificilmente sobrevivem apenas com a sua arte em Portugal. Já em Londres, é muito diferente, há mente aberta, é uma cidade rica em cultura, onde todas as artes são apreciadas, é uma cidade que te abre portas: assim que percebem que tens talento, eles dão-te o que precisas, eles confiam nas pessoas, não há comparação’’
The artist behind the red hat
Abdel é artista em todos os sentidos: como se veste, como pensa (‘’criativo, com várias ideias muito boas porque sonho com os olhos abertos’’) e como abraça diversas formas de arte (‘’sou fotógrafo, stylist, modelo, director criativo, etc’’).
Inspira-se pelo mundo que o rodeia, mas principalmente com ‘’cores e de caras. Ando pelas ruas sempre a olhar fixamente para os rostos das pessoas e é assim que consigo modelos para fotografar, a maioria das pessoas que já fotografei foram pessoas com as quais me cruzei na rua. O rosto é algo muito forte, transmite uma mensagem. A música também me inspira, as músicas acalmam-me e avivam a minha memória, sinto-me livre e leve, fico mais criativo’’.
Os trabalhos de Viviane Sassen (fotógrafa com quem sonha trabalhar um dia) e de Jean-Paul Goude (designer gráfico conhecido pelos seus trabalhos com Grace Jones) também servem de inspiração e exemplo para o artista Guineense.
Quanto ao processo de criação, é bastante simples: é ele quem controla todas as etapas e tudo o que usa é seu. ‘’Tenho várias roupas, não gosto de pedir às lojas porque são processos longos e demorados. Dou as minhas roupas aos modelos; escolho o local das fotos (quando ando pelas ruas estou sempre a ver potenciais locais para fotografar, por exemplo paredes coloridas); faço o styling todo, da cabeça aos pés. Tento conjugar as roupas e os looks com os cenários. Os modelos são pessoas normais, não são profissionais, então a transformação é maior’’.
The struggle behind the red hat
Como já era de se esperar, também ele se sente incompreendido muitas vezes, tendo mesmo sofrido bullying enquanto estudava em Portugal, ‘’na escola secundária do Lumiar as pessoas olhavam para mim, estranhavam o que eu vestia, gozavam e criticavam (…) e um dia, acordei e decidi ir como todos os outros, o dito normal… mas depois mudei de ideias. As pessoas que falam mal é que têm de se habituar a mim, não vou mudar pelos outros. Então resolvi assumir… Depois de um tempo, visto usar essas roupas todos os dias, deixaram de gozar porque já estavam habituados, até pediam conselhos’’.
O sofrimento e a sensação de discriminação é comum à maioria dos artistas, mas Keita vai mais além e explica que ‘’ser artista não é fácil, as pessoas não entendem as nossas ideias. Quando fazemos algo, pensamos, criamos uma ideia e essa ideia vem do fundo da alma, do coração, mas a pessoas não percebem e acabam por julgar e falar mal de nós. Não valorizam porque não conhecem. Temos de lutar e trabalhar muito, temos de nos dedicar muito para chegar à aceitação. Mas com esforço tudo se consegue’’.
The story behind the red hat
Tudo começou em Londres. ‘’Todo o mundo adora o meu estilo em Londres. As pessoas vêm falar comigo, pedem para tirar fotos, fazem perguntas (…) um dia estava a andar por Shoreditch (uma zona muito trendy de Londres) e entrei numa loja de sapatos e estava lá um fotógrafo inglês, chamado David Cantor, ele veio ter comigo e perguntou se poderia tirar-me uma fotografia, porque tinha adorado o meu estilo. Então assim foi, tirou a foto e passado três meses soube que essa minha foto tinha sido uma das vencedoras do concurso de fotografia da National Portrait Gallery – o Taylor Wessing Photographic Portrait Prize (um dos mais conceituados concursos de fotografia)’’.
Daí tudo se seguiu naturalmente até chegar a esta exposição, Nha Fala, na Underdogs Gallery, em Lisboa. Exposição essa que surgiu no seguimento de uma exposição colectiva que abdel fizera em Macau, com vários colegas e que deu origem a diversos projectos novos, sendo o Nha fala (a sua primeira exposição a solo) um deles.
Já havíamos mencionado a sua naturalidade Guineense e foi essa naturalidade que esteve presente na escolha do nome da sua exposição. Apesar de ter tido alguma dificuldade em explicar o porquê da escolha do nome, após grande reflexão acabou por nos esclarecer que escolheu ‘’Nha Fala porque.. uhh.. é difícil… eu sempre sonhei e lutei. Agora chegou o momento das pessoas ouvirem a minha voz, é a minha primeira oportunidade para falar, através das fotos, daí o nome ー que significa a minha voz ー quero falar com as pessoas através das minhas fotos, que conheçam a minha vida … mas que ouçam a voz delas também’’, concluiu, com mais certeza do que aquela com a qual começou.
The intention behind the red hat
Inclusão, aceitação e igualdade. São esses os objectivos por detrás das fotografias de Keita, ‘’somos todos iguais e diferentes no bom sentido, nas minhas obras encontram-se pessoas albinas, com vitiligo, ou com algum tipo de mutação genética’’ e ele quer acima de tudo transmitir essa mensagem de celebração das diferenças.
Todos somos bem-vindos debaixo do seu chapéu vermelho, ‘’o meu trabalho é para todos, é livre, para quem quiser ver e apreciar coisas bonitas’’.
A um nível mais pessoal, Abdel pretende ‘’fazer mais exibições, tirar mais fotografias, evoluir nesse sentido. Se eu deixar de tirar fotos acho que a minha cabeça explode de tantas ideias’’.
E como alguém que viveu na pele as barreiras erguidas pelo mundo aos que são diferentes, o fotógrafo deixa um recado aos demais sonhadores: no inicio vai ser sempre difícil, podemos achar que somos desenquadrados porque não nos aceitam (…) às vezes trabalha-se, trabalha-se, trabalha-se e o reconhecimento é pouco. Mas não desistam, se as pessoas não gostam, mas vocês sim: façam-no! O importante é que vocês gostem, não desistam, porque se o fizerem não vão chegar ao vosso destino nem ter o que realmente querem. Lutem porque um dia a vossa luta será reconhecida. Acreditem e tenham fé’’.