Paris, dezembro de 1895. Os Irmãos Lumière apresentavam ao público o seu mais recente invento ao qual chamaram Cinematógrafo. Era a primeira exibição de um lme, de curta duração é certo, contudo, alterou irremediavelmente a forma de contar histórias e formar mentalidades. Do Salão Grand Café para o mundo, o cinema rapidamente ocupou o quotidiano social das noites nas grandes metrópoles.
Não de forma inocente, os regimes ditatoriais emergentes no virar do século XX, encontravam no cinema o mecanismo perfeito para a divulgação e propaganda ideológica em grande escala. Foi o caso na Alemanha nazi. O partido no poder nacionalizou a produção e distribuição cinematográfica sob a alçada do Ministério da Propaganda. Aproveitando as cerca de 6 000 salas de cinema existentes na década de 40, quase 80% dos lmes exibidos eram alemães, autorizados pelo departamento de censura, a maior parte, de índole ideológica. A indústria do cinema era tão fulcral para o regime que nos últimos instantes da Segunda Guerra Mundial, enquanto escolas e outras instituições fechavam portas, eram destacadas unidades de combate antiaéreo para proteção das salas de cinema.
Em Angola, o “ filme” não seria de todo diferente. Entre os anos 30 e 75 do século XX, para além das pontuais salas de cinema e cineclubes, o regime colonial português construia de raiz por todo o território os seus exemplares de “arquitetura de ideologia”. Os primeiros modelos construídos seguiam as linhas austeras, estruturas imponentes, espaços encerrados em si, uma estética que acima de tudo, materializava os desígnios fascistas, como é exemplo o Cine-Teatro Monumental de Benguela. Contudo, tanto em ideia quanto em design, estes edifícios não iriam resistir ao clima tropical e de mudança da então colónia. Era necessário ventilar, abrir, exteriorizar.
No início do século XX, o universo da Arquitetura ganhava um novo fulgor. Abandonando os obsoletos cânones clássicos e os excessos ornamentais do Art Decó, o Modernismo internacional repensava o papel da Arquitetura. Planeava cidades, testava conceitos, procurava novas soluções para a nova urbanidade pós-revolução industrial. Gozando de uma liberdade criativa que não lhes era permitida em Portugal, os arquitetos portugueses subvertiam na então colónia os intentos do Estado, e os cinemas, enquanto espaços de uso público ganharam, tanto em ideia quanto em design, novas tipologias e estética. Surgiam as cine-esplanadas como o Cine Atlântico em Luanda, dos poucos exemplares ainda em funcionamento. A mesma sorte não teve o Cine Flamingo, cujas paredes persistem em resistir ao pôr do sol do Lobito, ou o Cinema Infante Sagres no Lubango que hoje, serve de suporte a painéis de publicidade.
O caso mais curioso talvez seja o Cine Estúdio do Namibe, cujo desenho futurista não lhe garantiu grande futuro. Após a sua conclusão, iniciava-se o extenso período de guerra pelo que não chegou a exibir qualquer projeção, estando actualmente projectado à incerteza. Hoje, estes exemplares são um marco da Arquitetura Modernista, um espólio de grande valor patrimonial e cultural. É certo que o cinema, e só ele, não garante o retorno financeiro face ao investimento necessário para a recuperação destas estruturas. Contudo, as nossas cidades precisam ventilar, abrir, exteriorizar cultura novamente, as nossas identidades e o nosso turismo precisam de histórias, e se os filmes nos contam histórias, também os edifícios nos contam.