Imagine um pássaro que atravessa tempestades; sobrevive a predadores; tem asas feridas, mas nem por isso deixa de voar. Insiste, persiste com base apenas na fé que tem em si e no seu bando. Assim é Bruna, que não obstante fazer parte daquele grupo de ‘’figuras públicas que estão a ser atacadas por tudo e por nada’’, não deixa que isso a defina e muito menos que a iniba de ser quem é, sempre com o suporte dos seus amigos e equipa.
A porta abriu-se e lá estava ela, entre sacos, roupas, produtos de beleza e um cheiro a verniz no ar. Muito séria e com ar de quem já estava preparada para ‘’mais um ataque da comunicação social’’, mais perguntas sensacionalistas, mais escrutínios, enfim, mais do mesmo.
Até que percebe que, tal como no seu futuro programa, ali é um espaço onde pode ser a Bruna, em toda a sua plenitude, energia, simpatia, luz e humanidade. Os olhos brilham como faróis e imediatamente deixa cair todas as barreiras, quando partilha que ‘’descobri uma nova paixão’’. Sendo que essa paixão é o seu novo projecto, o ‘’Nada a ver by Bruna Sousa’’, programa esse que a deixa feliz e realizada ‘’porque no youtube tu tens mais liberdade, de expressão e de tudo, além disso é um trabalho muito mais controlado por mim (sempre com a ajuda da minha equipa)’’
Mas o que tornará este programa tão especial? Bruna acredita que toda a gente é interessante e toda a gente tem algo para contar e por isso mesmo ‘’’será um programa semanal, onde trago não só figuras públicas como também pessoas anónimas, mas que de algum modo contribuem para a nossa sociedade, por exemplo, a tia da praça de São Paulo, a cuja barraca todo o mundo vai sempre comprar, essa pessoa também é bem-vinda ao Nada a ver by bruna Sousa’’.
‘’O povo angolano é um povo que tem muito para dar, um povo que tem muita histórias e muita história’’. É com esse foco que quer conduzir o seu programa, nas pessoas, nas ‘’gentes’’ enquantos seres individuais, ‘’a intenção não é de modo algum criar polémicas ou fofocar sobre a vida alheia (…) mas sim conhecer bem a história de cada um (…) pois normalmente quando as pessoas vão a uma entrevista, nem sempre dizem tudo aquilo que querem, são mais comedidas ou contidas porque sentem que não há abertura para isso, porque tudo o que é diferente, temos tendência a rotular (…) então é isso que queremos: mostrar a história do convidado, pessoal e profissional e dar-lhe liberdade para dizer o que quiser, que se soltem e se divirtam sendo elas mesmas, para conhecermos verdadeiramente quem é cada um na sua essência’’
‘’It takes a village’’ Gratidão, reconhecimento, emoção. Três sentimentos sempre presentes no seu discurso, ao falar da sua equipa. ‘’A minha equipa é brutal! (…) pessoas que estão comigo sempre, que me apoiaram, que acreditaram em mim quando todo o mundo desacreditou’’, diz, a combater as lágrimas, porque ela é mesmo assim, ‘’choro com tudo, até com uma folha que cai e alguém pisa, choro pela folha’’, acompanhando a declaração com um gesto dramático e teatral, entre risos.
Agradecimentos? Muitos, tantos que um artigo apenas não chegaria para todos os nomes que mencionou, porque falou de todos, um por um, com as suas particularidades e o porquê de serem indispensáveis para ela e para o programa, desde a produção até ao rapaz que traz as bebidas. E não se fica por aí, agradece também ‘’a todo o mundo que directa ou indirectamente faz parte do programa, aos que já subscreveram, aos que vão subscrever e até aos que não vão subscrever, pois não se pode agradar a todos’’
‘’Tempo é uma questão de prioridade’’ Como já foi dito, gratidão é uma das suas principais características e como tal, os seus seguidores também estão no seu coração e pensamento. É-lhes grata porque ‘’todos os dias tiram um pouco do seu tempo para mandar mensagem, para perguntar se estou bem (…) pessoas que estão tão longe mas estão muito perto’’. Por isso mesmo, ‘’sinto que eu tenho de tirar tempo do meu dia para retribuir essas mensagens, esse carinho, eu faço questão de responder a todo o mundo que me manda mensagem privada’’ e a voz volta a tremer de emoção.
‘’Nada a ver’’ Nunca um nome (sugerido por Helga Gomes) se enquadrou tão bem. Tudo o que seja relacionado com Bruna Sousa, parece não ter ‘’nada a ver’’, por quê? Vejamos: quando se fala de estilo pessoal, não tem ‘’nada a ver’’, porque ela é eclética e ‘’encaro um personagem de acordo com aquilo que estou a vestir, é o meu mood que determina o meu look do dia (…) não preparo a roupa um dia antes porque não sei como vou acordar’’; quando se fala em sentimento de pertença, apesar de ter nascido e crescido em Angola, as pessoas em geral fazem com que ela própria sinta que não tem ‘’nada a ver’’ com os demais, pois ’’crescer em Angola não foi fácil para mim, não é fácil ainda, tive muitas dificuldades desde sempre por ser ‘’a diferente’’, a ‘’maluca’’. (…) Eu não sou maluca, eu vivo de uma maneira que é conveniente para mim e as pessoas têm de respeitar isso, então para lidar melhor com isso assumi mesmo essa postura de ‘’maluca’’ e o meu nome ficou ‘’Bruna maluca’’, mas isso agora já chega, já não faz sentido. Tudo faz confusão às pessoas em relação à Bruna, parece que a Bruna é um E.T que veio aqui parar. Eu nunca me senti enquadrada aqui e digo isso com muita tristeza porque é a minha terra, mas é a verdade, é aqui onde me sinto mais desenquadrada e até mesmo a questão do colorismo, aqui é mais presente’’. Pareceu-lhe vitimização? ‘’Nada a ver’’, pois faz questão de dizer que isso são apenas factos, mas que não a definem nem impedem de ser quem é porque ‘’não sei ser de outro jeito, nunca vou mudar nem trair a minha essência’’, reitera, num tom quase desafiante.
‘’Rossana, Daniela Bruna, Monalisa…’’ Apresentamos-lhe as outras facetas de Bruna, alter egos, se preferir. Personagens que a própria cria consoante a sua disposição e o seu contexto naquele momento. Cada descrição veio acompanhada de uma expressão facial, de um maneirismo ou de uma frase cómica e característica. Todas diferentes, mas com um denominador comum: a Bruna! Mas afinal quem é ela?
Comecemos por esclarecer que apesar de ser uma figura pública, não se vê como tal.‘’Eu não sei ser figura pública, não tenho de facto ainda noção do quão importante a Bruna é para certas pessoas (…) agora é que me começa a cair ficha de que se calhar sou uma dita celebridade ou pessoa conhecida(…)’’, mas nem por isso muda as suas atitudes e comportamentos, tendo em conta que ‘’eu caí nesta coisa da fama de pára-quedas. No princípio era muito mais fácil de gerir porque não tinha tanta exposição, mas com um programa diário foi ficando cada vez mais difícil não me expôr. Por mais que pensem o contrário, eu detesto aparecer, nunca pensei ter este nível de visibilidade e reconhecimento, mas não tenho isso na minha cabeça, não acordo e durmo a pensar nisso, porque com isso vêm coisas más com as quais não sei lidar, por isso é tenho quem o faça por mim’’.
E a personalidade? ‘’Sempre conheci muita gente, mesmo na escola, conhecia toda a gente desde o primeiro ano até ao 12º, porque gosto de pessoas, gosto de falar, gosto de conhecer as suas histórias, culturas e de crescer com isso, para ser alguém melhor’’. Uma curiosidade? ‘’Adoro celebrar o meu aniversário mais do que uma vez por ano (..) eu chego a um sítio e sinto que é o meu aniversário. A vida é para ser celebrada, todos os dias tu nasces e renasces… então é o teu aniversário!’’
Quanto ao estilo, como referiu, é variável, mas essencialmente descontraído. Não dispensa ‘’chapéus; óculos de sol; calções pretos curtos e t-shirt preta; all star; ténis de corrida e sapatos altos (já não uso tanto mas continua a ser uma paixão)’’. Porém, um conselho, se não querem ouvir dela palavras que não constam no dicionário, não critiquem o seu corte de cabelo, nem o dela, nem o de nenhuma mulher! Porque pessoas que o fazem ‘’são pessoas infelizes. Eu comecei a dar menos valor ao cabelo a partir de momento que perdi a minha avó e a minha tia para o cancro e a minha tia teve de usar peruca porque se sentia mal com os olhares e comentários das pessoas’’.
E como uma nuvem, regressa o semblante pesado, com mais revolta do que tristeza, acompanhado de infindáveis retóricas: ‘’o mundo está cruel, está mau e eu não estou a perceber (…) choca-me muito que nos tenhamos habituado a ver gente morta pela estrada sem sentir um frio na barriga, nem tristeza…. estamos a perder a humanidade, estamos a perder aquilo que era a nossa essência, éramos tão calorosos e agora estamos por um fio. A nossa cultura, os nossos valores (bons), aquilo em que acreditávamos está a perder-se. E não podemos perder isso que temos de bonito (…) dantes a vizinha era como mãe, os seus filhos como irmãos e hoje em dia os vizinhos mal se cumprimentam (…) enquanto sociedade estamos a vender-nos por algo que nos vai ser cobrado mais tarde por Deus e que não vamos ter como pagar.’’
‘’Podia ter sido pior’’ É o que repete constantemente para si mesma, perante as vicissitudes da vida. Muita desta capacidade de relativizar os problemas advém das suas meninas, como chama carinhosamente às crianças que visita frequentemente no Instituto de Oncologia de Luanda. ‘’Essas crianças acabam por me ajudar mais a mim do que eu a elas, é terapia para mim, é onde vejo tanta coisa que me ensina a relativizar os meus problemas, elas são verdadeiros exemplos de força, motivação e superação.’’
Aproveita e faz um apelo a todos, para que ‘’mais do que doar bens materiais (que também são bem-vindos), disponibilizem o vosso tempo também, porque ser solidário não é só doar dinheiro, é doar tempo, é sentar com essas pessoas, conversar com elas, contar histórias, são pessoas que às vezes só precisam de um ‘’vai dar tudo certo’’. Dêem prioridade a isso, porque o mundo dá voltas e hoje sou eu, amanhã podes ser tu.’’ E faz questão de esclarecer que não divulga essas acções para aparecer, ‘’faço isso de coração e tenho sim de divulgar, se sou figura pública para o mau, que o seja também para o bom, e se acham que dou maus exemplos, então que sigam os bons exemplos que dou, por que é que não seguem isso? Por que é que só se focam no que faço de mal?’’
‘’Convenceste 100 pessoas, mas falta um milhão’’ ‘’Exausta mas feliz’’, assim se sente Bruna hoje em dia. Feliz por ter realizado um sonho, mas exausta. Exausta por querer relevar e dar a volta por cima mas ter sempre ‘’pessoas que fazem questão de te relembrar do que fizeste, então obrigam-nos a viver no passado’’, coisa que ela não quer fazer porque ‘’estou a aprender a deixar de viver nem do passado nem muito para o futuro’’. Exausta porque se sente ‘’’não sozinha mas solitária, pouco compreendida, gostaria de voltar a ser a Bruna que todo o mundo conhecia mas ninguém conhecia. Vivo na saudade eterna de muita coisa, mas…. normalmente temos saudades de como éramos em comparação ao que nos tornámos, saudades dos avós, de ir a casa almoçar, de valores que se foram perdendo (…) todos os dias lembro, choro, tenho saudades, mas é uma lembrança boa que me dá paz e tranquilidade’’.
E assim concluiu, entre lágrimas e sorrisos, grata e renovada, deixando-nos a nós com a certeza de que ‘’vai correr tudo bem’’
Entrevista disponível na edição de Março