Em pleno século XXI, onde já temos mulheres presidentes, negros presidentes de países onde são uma minoria, é lamentável que temas como a misoginia e o racismo ainda sejam não só pertinentes, mas urgentes e fundamentais.
Num Brasil e num mundo em que se adivinham períodos um tanto preocupantes no que toca à discriminação (de todos os tipos), o nosso correspondente no Brasil, Romário de Oliveira, sentou-se com a belíssima Erika Januza, numa conversa onde a própria falou destes tópicos e outros, contando-nos das suas experiências na primeira pessoa e como foi crescer num Brasil onde a questão racial é tão latente, mas não discutida com clareza e sinceridade.
Como foi a sua infância?
Tive uma infância muito feliz. Eu era daquele tempo em que as meninas brincavam na rua, ralava os joelhos, inventava brincadeiras e só voltava para casa quando a mãe saía no portão pra chamar pela milésima última vez!
Como você foi parar no meio artístico?
Em um determinado momento da vida, resolvi tentar ser modelo, mas sem muito êxito. Já estava até desistindo, até receber o e-mail de uma amiga sobre um teste para uma campanha publicitária. Mandei fotos, gostaram e fui para o teste, que na verdade se tratava da série Suburbia, da Rede Globo. Fui embora sem acreditar muito, mas me ligaram novamente, fui passando as etapas até me tornar a protagonista.
O que o Suburbia representou para você?
Suburbia foi um divisor de águas na minha vida. Sou muito grata pela experiência e pela oportunidade. Foi um aprendizado muito intenso e um processo muito arrebatador. No mesmo dia de gravação eu chegava a experimentar todos os sentimentos que uma pessoa pode ter. A série mostrou um lado bem humano do cotidiano de uma moça negra, cheia de sonhos e ambições e com muitas questões a serem resolvidas.
Você imaginava que um dia ia ser estrela de TV?
Sonhava. Mas não imaginava algo assim… Estar em um comercial ou coisas do tipo eu queria muito. Mas a pretensão de ser atriz eu não tinha. Achava algo muito distante de minha realidade.
“Não tínhamos muitas negras na TV. Uma coisa é entrar e passar. Outra é se solidificar na carreira e se tornar uma referência… “
Como lida com a fama? Você é muito assediada?
Acredito que lido bem com a fama. E sou bem assediada, sim. Sempre de uma forma muito carinhosa. As pessoas pedem até para pegar no meu cabelo, acredita? É muito gratificante saber que as pessoas reconhecem seu trabalho. Na verdade, eu gosto muito dessa troca com o público.
Quem eram seus ídolos e em quem você se inspira?
Sem clichê, sempre admirei muito as atrizes Taís Araújo, Isabel Fillardis e Zezé Motta. Não tínhamos muitas negras na TV brasileira. É como se elas estivessem lá me representando.
Na novela “O Outro Lado do Paraíso”, você deu vida a Raquel, uma juíza negra. Você acha que a história da personagem reflete bem a nossa realidade?
Essa é a realidade do nosso povo. O povo negro, além de outros problemas sociais que o Brasil tem, ainda precisa enfrentar o racismo. Não sei se estou me equivocando, mas é difícil ver juízes negros em grande número. A Raquel passou por tudo aquilo, o que deu força para ela se superar e surpreender.
“Eu faço parte de uma sociedade que possui negros nas artes plásticas, medicina, engenharia, história, ciências, política, no mercado financeiro, moda, arquitetura… O que eles precisam é de visibilidade”
O que você costuma fazer quando não está trabalhando?
Se não estiver estudando interpretação ou canto (minha nova paixão) ou na academia onde eu faço natação e musculação, eu também adoro ir ao teatro e assistir um filme. Sou viciada em filmes. Assisto em casa ou no cinema. Gosto bastante de ler também. Estou sempre com um livro. E o que me faz esquecer o mundo e de qualquer problema, é a dança!
Por falar em dança, você deu um show e foi finalista da “Dança dos Famosos”, no programa Domingão do Faustão. Gostou da experiência?
Eu estava muito feliz por estar ali, por viver tudo aquilo e representar tanta gente. Entrei no ritmo e me diverti bastante. Na final, fiquei muito emocionada: dancei vestida de princesa. Quando eu era criança não tinha uma princesa negra. Quando vesti o figurino pela primeira vez, chorei tanto pensando nas meninas que estariam em casa assistindo e vendo que tudo é possível, sabe?
Alguma vez você já se rejeitou — ou sentiu-se rejeitada — por causa da cor da sua pele ou do seu cabelo?
Muitas vezes. Ainda hoje sinto isso às vezes. Talvez me rejeitasse ao alisar meu cabelo. Já chorei muito sozinha em casa depois de ouvir insultos na rua. Mas depois de um tempo o choro virou raiva. Eu sei tudo que sou e do que sou capaz. E não posso me deixar abater e dar ouvidos a pessoas e mentes pequenas. Grande sou eu que carrego uma história nas costas e levanto de cabeça erguida para batalhar todos os dias.
Você acha que o negro hoje tem o espaço que merece?
[Taxativa] Não. As situações ainda nos separam muito. Para estar em um trabalho, por exemplo, é preciso estar em um contexto. Ter mais negros ali para justificar. Ser o único negro em uma festa ou até ser confundido com o empregado de um local só por ser negro… Isso acontece todos os dias. Mas sou otimista e quero sempre acreditar que as coisas estão melhorando.
“Nós negros, estamos cada vez mais fortes para enfrentar qualquer manifestação de preconceito. O empoderamento está fortíssimo! Quer coisa mais linda que andar nas ruas e ver as mulheres negras assumindo sua identidade? E eu me incluo nisso”
Como você lida com assuntos como racismo e preconceito?
Esse tipo de ataque me faz mais forte… O preconceito não é meu, mas dos outros. São eles que precisam melhorar. E se acontece algo que eu precise me defender ou me posicionar, faço sem o menor pudor. Não tenho nenhum problema em falar. Deixar de reagir é que me deixa mal. A injustiça e a impunidade me incomodam muito. Há quem prefira não falar também, respeito a opção de cada um, mas eu não consigo.
O que você acha dos ataques racistas que vem acontecendo com algumas celebridades nas redes sociais?
Como explicar a cabeça pequena de alguém que para e perde seu tempo para ofender o outro? Sinceramente, eu não acho que cabe a nós essa explicação. Estamos vivendo, desempenhando nossos papéis, cuidando para que outras pessoas não desenvolvam esta visão tão equivocada como destes agressores. São eles que precisam explicar o porquê de tudo isso. De certa forma, esse tipo de preconceito sempre existiu. Com a internet, as pessoas se sentem mais protegidas para manifestar esse tipo de reação.
Nomes como Nelson Mandela e Martin Luther King. O que representam para você?
Representam, sobretudo força e resistência! São verdadeiros líderes que se sobrepuseram ao medo, às ofensas e a opressão a que foram impostos. O mundo precisa de pessoas como eles para nos subsidiar em nossas decisões e continuarmos lutando por igualdade.
Você é vaidosa? Como anda a sua autoestima?
Sou bastante. E gosto muito de me cuidar. Se eu não me amar e me cuidar, quem fará isso por mim? Ninguém é igual a ninguém e isso é o melhor da vida.
Quais os seus segredos de beleza?
Segredos? [Risos] Eu tenho um roteiro diário. [Gargalhadas]Acordo, lavo o rosto com sabonete neutro, passo vitamina C, em seguida protetor solar. Independente de sair de casa ou não. Se for sair, passo uma base com proteção. À noite, ao chegar em casa, tiro a maquiagem (mesmo quando estou morrendo de sono) e passo creme para área dos olhos, cuido da pele. Mantenho meu cabelo sempre hidratado. Gosto de deixar ele um tempo com óleo de amêndoas antes de lavar. Faço relaxamento sim, mas um específico para nosso cabelo, que não alisa, mas solta a estrutura do seu próprio cabelo. Não sou fiel a algum produto específico, adoro experimentar coisas novas. Estou sempre testando alguma linha de cuidados.
Você acha que o mercado de beleza está atendendo mais as “necessidades” do negro?
Quando eu era mais nova só podia passar batom e lápis preto, pois o resto me deixava branca ou o que tinha voltado para a pele negra me deixava escura demais [risos]. Hoje, as marcas estão mais preocupadas em oferecer uma variedade para todos os tons de pele e tipos de cabelo. Isso é muito bom!
E para o futuro: quais os seus projetos?
O estudo é um projeto constante em minha vida. Pretendo me aperfeiçoar cada vez mais. Quanto mais coisas conheço, mais quero conhecer. Meu maior projeto no momento é ser uma atriz reconhecida por minha capacidade, sendo melhor a cada dia para que eu seja convidada para um papel justamente por causa do meu talento e não porque o script pede que aquela personagem seja interpretada por uma atriz negra com boa desenvoltura. Infelizmente ainda somos muito rotulados.
Daqui retiramos a importância da representatividade no processo de formação de identidade e que independentemente das adversidades, o importante é não mergulhar na tentadora vitimização e tentar sim contrariar os estereótipos, de um modo positivo!
Erika é a prova de que com talento, esforço, perseverança e trabalho é possível vencer as estatísticas e criar novos exemplos para as gerações vindouras.
Entrevista disponível na edição de Março.