Simão André Sebastião (ou Uólofe Griot, como é conhecido artisticamente), 30 anos, artista plástico vencedor do Prémio Juventude de Pintura (2018) — abre-nos as portas da sua mente e faz-nos uma visita guiada aos recônditos da sua genialidade, onde abundam traços; cores e texturas que culminam numa magnífica e bem estruturada exposição, ‘’AUtorretraTO’’, que contou com a colaboração da parceira e também artista Kisha Kipito Kussamba, que fez o bordado ‘’de quase todas as obras’’ que ele pintou.
Concebido no seio de ‘’uma família de artistas’’, não era de estranhar que Uólofe também seguisse esses passos, tendo ‘’começado a desenhar desde muito cedo, inspirado na minha tia e nos meus primos, que também desenhavam’’. Mas ao contrário de alguns membros da sua família, o jovem não desistiu do mundo das artes e com a orientação do seu primo e mentor, Sebastião Delgado (também artista e por quem nutre ‘’muita estima, admiração e gratidão’’) prosseguiu com os seus estudos médios e superiores, sempre ligados às artes, ‘’mais concretamente, pintura’’.
Enquanto artista acha que se ‘’encaixaria mais no abstracionismo, devido à utilização da técnica do doodle (que é a minha assinatura enquanto artista), apesar de nesta exposição, ao contrário da anterior, ter querido fugir um pouco do habitual para tentar trazer algo novo que é usar os doodles abstratos com algumas silhuetas que representam amigos e familiares’’ e tem ‘’cada vez mais a influência do minimalismo’’.
Apesar de ter nascido e crescido em Luanda, Uólofe tem uma forte ligação com o Bengo, terra dos seus pais. E foi essa ligação que serviu (também) como inspiração para as obras desta sua exposição no ELA (Espaço Arte Luanda), que nos fazem viajar e conhecer um pouco da sua história, família, amizades e amores. O nome ‘’Autorretrato’’ não é por acaso, pois o artista faz uma ‘’introspecção, busco todas as pessoas que estão ligadas a mim.’’, chegando mesmo a destacar uma obra como sendo a mais especial de todas: ‘’Caminho do mato’’ (nome inspirado no poema de Agostinho Neto), um quadro onde pinta as silhuetas da sua irmã e do seu tio, durante esse percurso até ao Bengo, marcado por imensas paragens e percalços mas que lhe remetem para um conforto e leveza espirituais sem precedentes.
Tudo começou com uma ida ao Bengo, ‘’enquanto fazia residência aqui no ELA, o meu pai disse-me que iriamos ao Bengo visitar a campa do meu avô. Então levei a minha máquina e começámos a fotografar desde o momento em que saímos de Luanda, até chegarmos’’. E assim estariam lançadas as sementes para aquilo que seria uma colecção sublime, rica e cheia de detalhes íntimos e pessoais.
‘’Como artistas temos as nossas ilhas, há artistas que só vão a eventos de música, outros só vão a eventos de artes plásticas, etc., apesar de agora isso estar a mudar e já haver uma conexão entre artistas de várias categorias’’, assim justifica o facto das artes plásticas ainda não estarem tão divulgadas e de terem um público tão específico,não obstante haver ‘’cada vez mais leigos fascinados pelas artes plásticas’’. Mas por que é que ainda há um desinteresse geral tão acentuado no que toca a certas artes?
Griot acredita que a educação está na base da criação do artista e da curiosidade, em geral, pelas artes. É através dela que o jovem vai ter conhecimento e contacto com as elas, podendo posteriormente fazer uma escolha pensada e informada acerca do seu futuro, ou não, enquanto artista. ‘’Mas se não houver essa educação e esse incentivo, dificilmente haverá tanta gente a querer seguir este percurso.’’
E por falar em educação, o talento é inato ou pode ser adquirido? ‘’Se você dedicar-se, aprende. Por mais que a pessoa nasça com talento, se não se dedicar, vai parar. Há que se praticar’’
Griot confirma o cliché da personalidade dita típica dos artistas geniais, afirmando que ‘’eu sou estranho, muito estranho, gosto de coisas muito muito estranhas, começando pelos filmes (gosto de filmes retro), passando pela música (quanto mais estranha for, mais gosto, a minha banda preferida são os Metrostation). A forma como ando, como me apresento, tudo é estranho’’. Mas isso não o impede de ter uma vida social preenchida e plena de amigos, que mesmo ‘’sendo poucos os que se identificam com os meus gostos, há uma troca de experiências, ideias, tento convertê-los’’, diz, entre tímidos risos.
Mas sua timidez e carácter reservado não o impedem de interagir com o público, vendo nas redes sociais um grande apoio e aliado nessa interação, que é ‘’cada vez maior e mais intensa’’.
Porém, o seu maior desafio enquanto artista não é a sua personalidade e sim a ‘’materialização da ideia, passar a ideia para o papel’’ e uma vez cumprida essa etapa, surge outro desafio: os medos e as inseguranças ‘’inerentes ao ego do artista’’.
Durante esse processo de criação e materialização dos conceitos, como rituais tem apenas ‘’a música, faço as minhas seleções musicais e começo a desenhar, desenhar…’’, apenas isto, música e música sempre, até porque, como nos conta em confidência, gosta ‘’mais de música do que de artes plásticas’’, mas optou pela segunda porque ‘’nós gostamos sempre de algo que não conseguimos fazer’’, confessando que não tem tanto talento para a música, mas que gostaria de investir mais nesse campo.
‘’Deus dá inspiração a todos’’, diz, citando o seu mentor Sebastião Delgado. Mas as suas, quais são? Pois bem, Uólofe tem vários nomes como referência (Sebastião Delgado, com quem inclusive gostaria de trabalhar um dia; Basquiat; Januário Jano; Iain Macarthur e até mesmo Rorschach com as suas manchas) e tem ainda mais fontes de inspiração, ‘’mas para esta exposição em específico, a inspiração foi a conexão que existe entre nós, pessoas’’. Mais especificamente, inspirou-se no Akaito, ‘’o fio vermelho do destino’’, uma crença chinesa de que há um fio invisível que conecta todos aqueles que estão destinados a conhecer-se e que vai além do espaço, tempo e contexto e ‘’aconteça o que acontecer, o fio nunca se rebenta’’. Mas Griot nesta exposição vai mais além nesta crença, pois no seu caso crê que ‘’o fio não conecta só pessoas que se conhecem, conecta todos!’’
‘’Acordem, acordem, a tecnologia está a matar-nos!’’
Com esta exposição, Uólofe quer provocar nas pessoas um ‘’despertar’’, usando as suas obras para uma ‘’intervenção social’’, para ‘’promover a conexão entre as pessoas, que hoje em dia estão cada vez mais afastadas umas das outras, já não temos tempo para brincar, já não há amizade, leveza, carinho, pois estamos a substituir isso por meios artificiais’’
Enquanto artista, tem como ‘’objetivo usar sempre a arte para provocar inquietações, para forçar as pessoas a saírem da sua área de conforto, que se questionem e que esse questionamento sirva para que sejamos mais humanos, mais nós’’. Daí não ter ter um público-alvo específico, ‘’eu crio para todos, porque tento representar a realidade e temas pertinentes’’
A colecção ‘’AUtorretraTO’’ estará em exposição no Espaço Luanda Arte (ELA), na rua Rainha Ginga, até dia 13 de Março de 2019.
Visite-a, viaje nela e acima de tudo: mantenha-se conectado.
Entrevista disponível no editorial de Março.