‘’Bom dia, a Sra. Ágata já vai recebê-la’’. E foi assim que, antes mesmo de a conhecer, já dava para perceber que se tratava de uma pessoa diferente daquelas às quais estamos habituados no mundo corporate, uma Directora Geral que não era nem queria ser tratada por ‘’Dra.’’?
E chegado o momento de atribuir um rosto ao nome, imediatamente sentimos a humanidade e o calor que dela transbordam. Muito atenciosa, preocupada com o conforto alheio e tudo de um modo muito orgânico, natural, nada ensaiado ou mecânico.
No fundo, um grande e colorido Guilherme Mampuya dava vida ao escritório e acabaria por no fim, fazer todo o sentido, pois é um quadro que representa Angola e o que ela tem de melhor. Angola na sua melhor luz, que é como Ágata a vê e quer que o resto do mundo a veja também.
Bom filho a casa torna
Filha de Angola. Cá nasceu, cá cresceu e para cá fez questão de voltar. Apesar de ter concluído os seus estudos na África do Sul e apesar também de ter lá tido uma proposta de emprego quase irrecusável, sentiu que era em Angola que deveria estar, pois ‘’lá seria mais uma e cá sabia que poderia fazer a diferença’’.
Os seus primeiros passos profissionais foram como account executive e admite que ‘’cresci muito e partilhei muito do que tinha aprendido em termos técnicos’’
‘’Do salto alto para o pó’’
Assim define aquela que foi a mudança mais radical que teve de fazer a nível profissional, o seu maior desafio, mas também a sua maior conquista.
Foi com algumas reservas e receio que, quase que de repente, passou do ‘’mundo do glamour, luzes e holofotes’’ para um ‘’outro lado de Angola que como angolanos, desconhecemos’’. Assim descreve a sua experiência com o mercado informal, experiência essa que a deixou ‘’completamente apaixonada’’ até aos dias de hoje, “O dia-a-dia das nossas zungueiras, destas pessoas que colocam filhos na faculdade a vender no mercado, são histórias lindas que o mundo desconhece’’.
Além disso, Ágata partilha que nesse ‘’mundo’’ encontrou mais humanidade do que alguma vez encontrara e viveu isso na pele, ‘’passei uma fase de doença e as pessoas do mundo do salto alto se calhar não me deram o apoio que recebi das mamãs do mercado’’, como carinhosamente lhes chama.
‘’Terra batida e um sonho’’
Era isto que Ágata Russel tinha quando os accionistas da National Distillers lhe propuseram não só a Direcção como a construção de uma fábrica. Pânico? Talvez, mas cedo mostrou que tinha sido a escolha acertada porque ‘’se não sabia, ia buscar quem soubesse’’, o que nos faz identificar-lhe mais outra qualidade: a humildade extrema! ‘’Nós não sabemos tudo e a base para qualquer pessoa é aceitarmos isso. Para brilharmos várias pessoas têm de brilhar’’.
A criação de uma fábrica em plena crise económica e a aposta nela como Directora, segundo a própria, também diz muito do carácter dos seus accionistas (‘’os meus líderes’’, como constantemente os denomina), ‘’são muito humanos, acreditaram num país em África — que é raro — para trazer um projecto tão grande e que criou tantos postos de emprego directos e indirectos (…) nunca colocaram um estrangeiro a dirigir a fábrica e apostaram nos quadros nacionais, toda as minhas sugestões foram aceites’’, diz, com muito orgulho.
Orgulho! Um sentimento sempre latente nesta entrevista e que se tornou quase palpável quando referiu alguns dos ‘’porquês’’: ‘’Temos 420 funcionários e no nosso pólo industrial de Viana, 80% dos recursos humanos são locais e são mulheres. ‘’há falta de boas estradas e de saneamento básico, mas mesmo assim estamos a conseguir colmatar a alta taxa de desemprego em Viana’’, continua, ‘’quando me disseram que tínhamos de fazer rampas na fábrica, por ser um país de pólio e de guerra e como teríamos muitas máquinas poderíamos empregar uma percentagem de pessoas com limitações motoras… não é qualquer pessoa que pensa nisso!’’.
‘’Bons líderes criam bons líderes’’
Quer saber exactamente o que faz um Director Geral? Nós também quisémos ‘’um Director Geral acima de tudo tenta retirar o que há de melhor nos seus Directores. Sabe delegar e sabe que precisa de todos, tenta manter a equipa coesa e satisfeita para que toda a gente venha trabalhar feliz, do mais alto cargo até ao mais baixo”
Quando elogiada enquanto líder, rapidamente transfere os louros para os ‘’meus líderes, com eles aprendi tudo. O humanismo que caracteriza esta empresa vem desde os accionistas e tento que seja infiltrado a todos os nossos colaboradores. É como uma matriarca que fala de todos, da sua grande família, ‘’preciso de todos’’. Bons líderes criam bons líderes’’.
‘’It’s a men’s world’’. But is it?
Apesar de sentir algumas vezes que sendo mulher num cargo tão importante às vezes causa algum choque ou estranheza, ‘’em algumas Entidades que nos vão visitar, ficam chocados pelo facto da D.G. ser uma mulher’’, lida com isso com humor. É algo que sente mais ‘’dos níveis mais altos do que dos mais baixos’’ e acrescenta que ‘’até as mulheres têm essa reacção, mas logo depois sentem orgulho’’.
Mas não é só como Directora Geral que Ágata mostra a força e capacidade femininas. É também como mãe, papel esse do qual não abdica e hoje em dia faz questão de honrar diariamente. ‘’A vida ensinou-me a dar valor à família (…) já fui workaholic e a minha filha chegou a desenhar-me sentada com um computador, abalou-me muito (…) temos de encontrar um balanço, a família é o pilar de tudo, não abdico de preparar o pequeno almoço das minhas filhas e de levá-las à escola. Quando volto do trabalho fazemos os trabalhos de casa, conversamos, faço-lhes companhia enquanto jantam (elas jantam cedo porque dormem cedo) e ponho-as na cama (…) o fim de semana é todo para elas, vou a todo o lado com elas’’.
É essa filosofia orientada para a família que tenta passar a todos os funcionários, até porque ‘’uma mãe nunca vai conseguir dar o seu melhor no trabalho se tem um filho doente’’.
Introspecção
Quando avalia a sua vida e o seu percurso, sente que a sua maior conquista pessoal foram as suas filhas, ‘’o meu bem maior’’ e a nível profissional, ‘’tendo em conta todas as adversidades termos um pólo industrial que criou 420 postos de trabalho directos e 7000 indirectos, do zero’’.
Como maior lição, tem que ‘’a vida humana é muito importante e todos vamos tocar alguém directa ou indirectamente e temos de fazer o bem para atrair o bem’’ tendo como corolário ‘’família acima de tudo’’.
É assim também que espera que as suas filhas pensem, mas como legado quer deixar uma mensagem de ‘’honestidade’’, tal como o seu pai fez com ela. ‘’Ele dizia que gostava de poder fazer a barba olhando-se no espelho, eu não faço a barba mas gosto de conseguir olhar-me no espelho de frente, todos os dias.”
E foi com esta chave-de-ouro que terminou uma entrevista a uma ‘’chefe’’ que sabe os nomes de todos os funcionários, preocupa-se com eles e diz ‘’o meu/ a minha’’ seguido desse mesmo nome e que fez questão de apresentar todos. Uma entrevista tão cheia de lições e exemplos a seguir, não (apenas) enquanto mulher, ou profissional, mas enquanto ser humano e cidadã, porque no fim, é o que importa.
Entrevista disponível na edição de Março.