Vestidos frescos e esvoaçantes? Nunca! Só se for em casa, sem ninguém ver, apenas o seu marido.
De qualquer modo, estar bonita não era uma prioridade para ‘’Maria’’, pois ela ficava quase todo o dia em casa, às vezes saía para fazer compras, passava pela casa da irmã, ou da mãe, mas nunca saía do seu bairro.
‘’Batom, não! Tira isso! Começou assim: com proibições. Depois começaram as ameaças, e finalmente os socos: nas portas, na mesa… Quando me atingiu na cabeça, senti que era demais. Queria fugir três anos de convivência: eu, ele e a violência psicológica. Mas era difícil: eu era propriedade sua, para onde ia, ele controlava…Também queria um filho (a violência sexual disfarçada de desejo)’’, partilha ‘’Maria’’, com um corpo de 30 anos, mas um olhar de quem viveu quase meio século em clausura. Sempre apertando com as suas mãos trémulas 一 reflexo de quase uma década de traumas 一 o seu terço, que carrega consigo aonde quer que vá, quase que como uma bengala.
Continuou: ‘’E pensar que quando eu o conheci, aos 24 anos, achei que me tinha saído a sorte grande…. Trabalhava num restaurante, ele entrou e seduziu-me: algumas palavras, muitos sorrisos. Parecia amor, daqueles que só acontecem uma vez na vida. Mas não: o amor era meu, o dele era uma mistura de ficção e manipulação. Cuidado excessivo! Queria saber tudo sobre mim, eu não sabia nada sobre ele.’’
Depois de alguns meses de encontros idílicos, sem se aperceber, ‘’Maria’’ já estava a viver com o seu companheiro, apesar de no seu interior, não estar certa de querer dar esse passo, ‘’ eu pensei se eu não for, sinto-me culpada’’.
Em casa, a magia do passado transforma-se em dor. O seu lindo sorriso passa a ser provocação, os amigos e parentes passam a ser empecilhos e o seu espírito começa a ser sufocado até que a ‘’Maria’’ alegre, bonita e espontânea morre, restando apenas uma carcaça amedrontada, magra, com olheiras e olhos vermelhos de tanto chorar e coberto de cicatrizes que contam contos de terror.
‘’Resolvi denunciar! E tive sorte, consegui escapar, mas sei que muitas mulheres não consegues escapar com vida’’
Hoje, ‘’Maria’’ tem 39 anos e escreve, escreve sobre a sua experiência e ajuda tantas outras mulheres e homens a reconhecer e a libertar-se dessa prisão física e mental.
Como ela, há muitas mulheres que vivem isoladas, quer pela educação patriarcal recebida, quer por imposição conjugal.
É importante reter que isto acontece em todos os lugares, não apenas em zonas pobres, o fenómeno da violência doméstica transcende género, estatuto, grau académico ou situação financeira.
Do isolamento à violência o passo é curto: as mulheres são vítimas, mas também as crianças que testemunharam, ou mais, por vezes também elas são agredidas.
Se o seu instinto lhe diz que há perigo, não espere a confirmação, siga-o!
Se conhece alguém nesta situação, denuncie, pois poderá estar a salvar uma vida.
Além de ser um acto condenável moralmente, a violência doméstica é um crime previsto na Lei (Lei contra a violência doméstica), e compreende a violência física; psicológica; sexual; verbal; patrimonial e o abandono familiar. Por isso, qualquer pessoa que saiba destes casos e não denuncie, está a ser cúmplice desse mesmo crime.
O continente Africano, assim como o médio Oriente, ainda são as zonas onde a violência contra as mulheres é mais gritante, portanto a partilha destas histórias é mais do que pertinente: é urgente!
Agradecemos à ‘’Maria’’ a sua coragem e a sua lucidez, que a levou a sair de um comboio cujo destino seria certamente a tragédia. E partilhamos a sua história na esperança de que a coragem seja um vírus contagioso.