Binelde Hyrcan, artista visual nascido em Luanda em 1982, é um dos nomes mais ousados da arte contemporânea africana. Com um percurso que atravessa Angola, França e Finlândia, e uma formação pela École Supérieure d’Arts Plastiques de Mónaco, Hyrcan expressa nas suas obras uma fusão única de crítica social, humor mordaz e narrativas viscerais.
Em entrevista exclusiva à Revista Chocolate Lifestyle, o artista revela a sua visão sobre a arte como veículo de transformação, as suas inspirações e os desafios de ser uma voz disruptiva no cenário artístico internacional.

A arte como reflexão e provocação
“Nem sempre busco transmitir uma mensagem específica. Às vezes, são apenas questões que habitam a minha mente.” Assim define Hyrcan o seu processo criativo. A pintura, para ele, é quase meditativa, enquanto as suas instalações carregam mensagens diretas, como a recriação do Angosat na Ilha de Luanda.
O humor e a crítica social são marcas registadas do seu trabalho. Para Hyrcan, a arte tem um papel crucial na sociedade: “Cresci na Ilha e sofri bullying por isso. A arte deu-me uma forma de transformar realidades.” Obras como Cambeck refletem essa abordagem, explorando a desigualdade e o deslocamento com uma ironia que desarma barreiras.
Sobre o impacto do seu trabalho no público, o artista lembra-se das suas raízes: “A minha mãe vendia peixe na Ilha, e vi muitas famílias serem afastadas devido à especulação imobiliária. A minha arte nasce dessas memórias e do desejo de dar voz a estas histórias.”
A experiência no Mónaco deu-lhe um novo olhar sobre as suas raízes: “A distância faz-nos compreender melhor quem somos.” Cresceu entre conflitos civis, o que moldou o seu olhar para a arte. “Não consigo simplesmente pintar girassóis. A minha infância foi marcada pelo medo e pela perda.”
Sobre o espaço da arte africana no cenário global, Hyrcan reflete sobre o preconceito: “Picasso inspirou-se nos povos bantus, mas a arte africana continua a ser vista de forma exótica. Felizmente, eventos em Angola, África do Sul e Senegal estão a mudar essa percepção.”

Mesmo sendo um artista livre, a censura já o atingiu: “A minha galerista, por vezes, teme que algumas obras sejam demasiado provocativas. Uma capa de revista minha foi cancelada porque trazia a imagem de um galo, alegando que poderia ser associada a um partido político. Curiosamente, as mesmas galinhas foram roubadas na Grécia durante uma exposição.”
Mas é através da ironia que Hyrcan encontra o equilíbrio: “O humor permite que as pessoas descontraiam e reflitam sobre temas difíceis. Tento criar um espaço onde leveza e profundidade coexistam.”
O homem por trás da arte
Desde criança, Hyrcan já se destacava pela criatividade: “Aos sete anos, fazia paraquedas para as galinhas da minha mãe e desenhava sonhos estranhos com macacos aquáticos.” Hoje, para além da arte, tem outra paixão: “Gosto de Kite Surf. E um dia, gostaria de produzir um filme de animação.”
Sobre a sua identidade enquanto artista e pessoa, é direto: “Tenho dificuldade em me definir. Talvez porque não gosto de rótulos. Prefiro apenas ser.”
Entre os momentos mais marcantes da sua carreira, destaca uma experiência inusitada: “Caminhei de Lisboa a Paris durante a pandemia.” No futuro, deseja algo simples, mas profundo: “Quero viver a experiência de ter uma família.”
Binelde Hyrcan não se encaixa em padrões. É um artista que desafia convenções, usa o humor como resistência e transforma as suas vivências em arte. E, acima de tudo, alguém que escolhe simplesmente ser.






Por: Gracieth Issenguele